terça-feira, fevereiro 4, 2025
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    O futebol está morto (ou igual demais)?

    Um jornalista do britânico The Times acha que o futebol está homogêneo demais e sente saudades de Ronaldinho Gaúcho. Cita personagens suficientes do futebol – David Moyes, Juanma Lillo, um estudo da Opta, o dono da Union Saint-Gilloise – para sustentar que este é um sentimento relativamente disseminado na indústria.

    Ele está certo? Infelizmente, você não pode concluir por conta própria porque o texto está atrás de um paywall. Seus dois argumentos principais são a influência excessiva da análise de dados e a influência ainda mais excessiva de Pep Guardiola.

    A primeira, segundo ele, desestimula os jogadores a tentarem lances de baixo índice de sucesso, como chutes de fora da área (ele sente muita falta de gols de fora da área, ingleses têm fetiche por chutes de fora da área, sei lá) e dribles.

    Essa discussão, como ele mesmo aponta, não se restringe ao futebol. É bastante presente, por exemplo, na NBA, cada vez mais direcionada aos arremessos mais eficientes – dentro do garrafão ou de três. Os dados estão tirando a agência dos jogadores, ele argumenta. E de mãos dadas com isso, o Guardiolismo – que também tira a agência dos jogadores.

    Ficou famosa uma análise de Thierry Henry na Sky Sports em 2015 explicando que Guardiola não apenas pede como exige que seus jogadores guardem posição durante a maior parte da construção ofensiva. Liberdade, apenas no último terço do gramado.

    Henry lembra que uma vez que tentou ser espertinho, saiu da ponta esquerda, onde deveria ficar, aproximou-se de Messi e abriu o placar contra o Sporting. No intervalo, levou uma bronca de Guardiola e foi substituído.

    Não precisa ser muito engajado em futebol para saber que existem centenas de treinadores tentando emular o estilo de Guardiola, o que às vezes provoca consequências terríveis quando o meio-campo não tem Xavi ou Iniesta ou Toni Kroos ou Xabi Alonso ou Kevin de Bruyne ou Bernardo Silva. É normal. Ele é o melhor e mais bem sucedido treinador da sua geração. Em toda a história do futebol, esses costumam exercer influência sobre os colegas.

    Mas essas duas coisas juntas estão gerando uma padronização, segue o texto, tanto em termos de estilo quanto de formação de jogadores. O autor cita um amigo que trabalha com recrutamento na Premier Legue dizendo: “Todos estão buscando dados para ter uma vantagem competitiva, mas acabam encontrando os mesmos números e concluindo as mesmas coisas”.

    Juanma Lillo, auxiliar de Guardiola no Manchester City (Reprodução/Manchester City)

    Uma coluna apocalíptica de Juanma Lillo para o The Athletic analisando a Copa do Mundo de 2022 aparece na matéria. Nela, o assistente do próprio Guardiola diz que o futebol simplesmente acabou e assume responsabilidade por ter sido um dos expoentes do seu colapso. Na matéria do The Times, ele diz que sessões de treinamentos na Noruega e na África do Sul são iguais e que os técnicos estão tendo “influência demais”.

    Outros trechos não reproduzidos falam até mais diretamente com a tese de que o Guardiolismo contribuiu para o triste fim do esporte mais popular do mundo. Entre outras coisas, que o foco nessas sessões de treinamento norueguesa-sul-africanas é sempre “passe aqui, passe ali” ou que os “bons dribladores acabaram” ou que tudo agora é “dois toques” e que “não existem mais jogadores ruins, mas também não existem mais excepcionais” porque “na tentativa de matar os ruins, também matamos os bons”.

    Eu compartilho do sentimento de que muitos jogos parecem os mesmos. A matéria do The Times recorre a uma situação bastante comum: um time saindo com três jogadores atrás, tentando, sem pressa, escapar da pressão do adversário e levar a bola a uma área pré-determinada, da qual sairão movimentos prescritos, como o passe para trás ou a bola em diagonal.

    Isso me fez lembrar um dado citado pelo jornalista Jonathan Wilson no podcast do Guardian de que a quantidade de partidas de Premier League em que um time tem pelo menos 60% de posse de bola se multiplicou do começo do século para agora.

    E não é isso que a gente vê? Quantos jogos seguem a mesma lógica? O time mais forte e/ou mais rico assume a posse de bola e tenta encontrar espaços na defesa do adversário. O adversário, se for minimamente organizado e tiver atletas profissionais, consegue negar esses espaços, estacionando suas linhas na frente da área e correndo para burro. De vez em quando, tenta um contra-ataque.

    E aí, tudo se resume ao primeiro gol: se o time mais forte e/ou mais rico, conseguir fazê-lo, ótimo, o adversário terá que se abrir aos contra-ataques; se o time mais fraco e/ou mais pobre encaixar um contra-ataque, se fechará ainda mais e o impasse se intensifica. É assim, aliás, que a bola parada ganha uma importância gigantesca, por ser um caminho rápido e eficiente para o primeiro gol.

    A parte mais sábia do artigo, a que sugere que Lillo talvez tenha exagerado ao assinar o atestado de óbito do futebol, é a opinião do dono da Union Saint-Gilloise, Alex Muzio, dizendo que as táticas são cíclicas no futebol – ou seja, o Guardiolismo não será eterno – e que há mais diferenças de estilo ao redor da Europa do que parece. E realmente, muitos treinadores de sucesso, como Antonio Conte, Zinedine Zidane, Massimiliano Allegri ou Carlo Ancelotti, não podem ser acusados de terem sido “Pepficados”.

    A parte mais cômica do artigo é quando ele afirma que muitos jogadores hoje em dia consideram Ronaldinho Gaúcho como seu jogador favorito e “poucos jogam – ou recebem permissão para jogar – como ele”. Como se fosse por falta de vontade.

    E tipo, nós acabamos de ter Lionel Messi.

    Bruno Bonsanti
    Bruno Bonsanti
    Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

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