terça-feira, fevereiro 4, 2025
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    A Superliga está de volta – e mais perigosa

    O primeiro lançamento da Superliga foi um desastre sem precedentes. Não pelo que ela significava – um desastre sem precedentes -, mas do ponto de vista de relações públicas e controle de narrativa. Um comunicado de imprensa na noite de domingo anunciando o fim da tradicional estrutura do futebol europeu foi seguido por 24 horas de silêncio.

    Durante aquele período, todo mundo que estava perto de um microfone o colocou na mão para dizer o quanto a ideia era ruim. Não apenas dirigentes que, vendo suas posições de poder ameaçadas, acenaram com multas, punições e exclusões, mas personagens importantes de verdade, como treinadores, jogadores, ídolos, chefes de Estado e, principalmente, torcedores. Ninguém da Superliga pensou que talvez fosse uma boa ideia oferecer um contraponto até Florentino Pérez aparecer na televisão espanhola na noite de segunda-feira.

    E o contraponto foi mais ou menos “temos que salvar futebol porque vocês não conseguem mais prestar atenção durante 90 minutos”, ou algo nessa linha. Foi confuso, meio cínico, meio messiânico. Talvez ele não fosse o porta-voz ideal.

    Um vácuo comunicativo curioso porque eles deveriam saber que a ideia seria impopular, a menos que estivessem bêbados de arrogância, e como são dirigentes de futebol, é perfeitamente possível que estivessem bêbados de arrogância, que permitiu que se construísse um consenso de que a ideia ruim era mesmo ruim. Uma ferida fatal que levou ao inevitável colapso, à medida que os clubes participantes cederam à pressão da imprensa e de seus torcedores.

    Real Madrid e Barcelona (e a Juventus, em um primeiro momento, antes de pular fora) insistiram e conseguiram uma decisão da Corte Europeia de Justiça que reconheceu a autoridade regulatória de Uefa e Fifa, mas disse que elas deveriam exercê-la de maneira “transparente, objetiva, não-discriminatória e proporcional”. Real e Barça consideraram uma vitória e, na última terça-feira, a Superliga voltou à tona com uma nova proposta para rivalizar com as competições europeias.

    Foi um anúncio mais modesto. Um vídeo com uma pessoa que ninguém conhece explicando a tentativa de rebranding da Superliga para parecer uma ideia mais popular que elitista.

    Começando pelo nome: “Unify League”, ou Liga da Unificação, é horrível, mas menos pomposo e mais inclusivo que Superliga. Abandonou a ideia de ter participantes fixos e, como sempre aconteceu, quer adotar um sistema de classificação baseado nos resultados anuais das ligas domésticas.

    Abrigaria 96 clubes, divididos em quatro divisões. As duas principais teriam 16 participantes separados em dois grupos com jogos de ida e volta. Os quatro primeiros passam às oitavas de final. Provavelmente com 21 datas, seria apenas um pouco maior que o da Champions League atualmente (que pode chegar a 17), o que é ruim, o ano continuará tendo 365 dias independentemente de quantas competições novas os cartolas decidirem criar, mas não chega a substituir as ligas nacionais como base da temporada como sua antecessora ameaçava.

    O timing foi ótimo, inclusive porque, no momento em que ainda estamos tentando decidir se gostamos do novo sistema suíço da Champions League, é oferecido um formato mais tradicional e simples de entender. O comunicado até cita que existe insatisfação entre os clubes com o “formato (…) das atuais competições pan-europeias”, o que é bastante irônico porque um dos motivos para a mudança da Champions foi justamente tentar aplacar os anseios por uma Superliga.

    O comunicado fala em diálogo aberto, cita preocupações reais de pessoas reais, como o investimento do futebol feminino ou os custos cada vez maiores de assinaturas de streamings para os torcedores, e, em vez de enormes recompensas financeiras e pagamentos de solidariedade para os clubes sem explicar de onde viria o dinheiro, a única promessa é a criação de uma plataforma grátis para transmitir as partidas.

    Porque não foi uma ruptura: foi uma proposta. O começo de uma conversa. Um “que tal se fizéssemos isso aqui?” em vez do “vamos fazer isso aqui e vocês que se virem” de 2021. Pediram formalmente autorização à Uefa e à Fifa para criar a nova competição, uma maneira de jogar a bola para o outro lado da quadra para ver se as entidades serão “transparentes, objetivas, não-discriminatórias e proporcionais”.

    Não houve confirmação de participantes, imagino que principalmente porque não sobrou nenhum, além de Barcelona e Real Madrid. Apresentada a proposta inicial, agora os outros clubes terão que decidir se embarcam em uma aventura incerta ou ficam com as garantias da Uefa, apesar de todos os problemas, sob o risco de termos duas competições europeias paralelas em breve – o CEO que ninguém conhece disse que 2025/26 talvez seja “muito cedo”.

    A primeira hipótese pode ser complicada para alguns clubes que saíram da Superliga três anos atrás pedindo desculpas de joelhos, prometendo que nunca mais cometeriam o mesmo erro e até criando mecanismos para os torcedores vetarem futuras dissidências.

    Teriam que convencê-los que foram feitas mudanças suficientes para minimizar o caráter elitista, que seria uma competição tão democrática e acessível quanto a Champions League (muito pouco democrática e acessível, mas mais democrática e acessível que a proposta anterior da Superliga), apenas com uma organização diferente, agora na mão dos clubes, potencialmente mais interessante e mais rentável, o que ainda é muito cedo para afirmar.

    Fato é que a Superliga voltou. E mais esperta. O que a torna mais perigosa.

    Bruno Bonsanti
    Bruno Bonsanti
    Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

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