O texto a seguir foi originalmente publicado em 2009 na Trivela e conta a história desse jogo marcante na história do futebol, que completa 31 anos neste dia 25 de junho de 2013.
A Copa do Mundo de 1982 na Espanha teve a primeira vitória de uma equipe africana sobre uma europeia na história da competição. E não foi uma vitória qualquer: a Argélia, estreante em Copas, bateu a bicampeã mundial Alemanha Ocidental por 2 a 1 em Gijón, no Estádio El Molinón. Aquela vitória seria fundamental para a sequência de acontecimentos que levou a Alemanha Ocidental e Áustria chegarem à última rodada sabendo exatamente o que precisavam fazer para ambas se classificarem e deixarem a Argélia de fora da competição, fazendo o que ficou conhecido como “o jogo da vergonha”.
Alemanha Ocidental, Áustria, Argélia e Chile compunham o grupo 2 do Mundial da Espanha. A vitória dos africanos sobre os alemães colocou os argelinos em vantagem na classificação. A Áustria também começou vencendo o Chile por 1 a 0. A Alemanha Ocidental então goleou o Chile por 4 a 1 na segunda rodada, enquanto a Áustria bateu a Argélia por 2 a 0. A Áustria estava em primeira na classificação, com quatro pontos e Argélia e Alemanha Ocidental tinham dois. Na última rodada, iniciada no dia 24 de junho, a Argélia bateu o Chile por 3 a 2, chegando aos mesmo quatro pontos austríacos. Para a classificação dos africanos, bastava que a Alemanha Ocidental não vencesse – o que classificaria Argélia e Áustria – , ou que vencesse por pelo menos três gols de diferença – levando os austríacos a saldo zero e fazendo os argelinos passarem de fase pelos gols marcados.
O jogo gerava muita expectativa dos torcedores, uma vez que as duas seleções se enfrentaram na segunda fase da Copa do Mundo de 1978, na Argentina, e fizeram um jogo emocionante. Os austríacos conseguiram uma vitória por 3 a 2, que tirou dos alemães a chance de se classificar para a próxima fase da competição. A rivalidade entre as duas seleções estava alta e cinco jogadores da Áustria que estiveram em campo quatro anos antes estavam novamente em 1982. Pelo lado alemão, quatro jogadores que disputaram a partida de 1978 estiveram em campo na Espanha. Esperava-se um jogo disputado, a revanche dos alemães sobre os austríacos – quem sabe até eliminando os rivais.
Estavam presentes naquela partida grandes jogadores do futebol alemão, como o goleiro Harold Schumacher, o lateral Paul Breitner, o atacante Horst Hrubesch, o meia Karl-Heinz Rummenigge, o então novato meio-campista Lothar Matthaus, que entrou no segundo tempo, e até o meio-campista e hoje técnico Felix Magath, que além de grande jogador, é um treinador com fama de ser muito rigoroso com seus jogadores.
O que se viu em campo foi uma Alemanha que precisava de uma vitória simples para se classificar e uma Áustria que poderia perder e ainda se classificar. O dia 25 de junho de 1982, no estádio El Molinón, em Gijón, viu um jogo em que as duas seleções entraram em campo dispostas a fazer um placar bom para os dois. E o jogo começou parecendo que seria bem diferente do que foi. A Alemanha Ocidental massacrou nos primeiros minutos, como um Blitzkrieg. Aos dez minutos de jogo, Horst Hrubesch marcou o gol da Alemanha Ocidental, que contentava todos em campo. O que se viu nos minutos restantes foi um jogo sem jogadores. Ninguém queria nada com a partida, apenas que ela acabasse.
Os dois países, de idioma alemão, não se dispuseram a ir além daquele placar. Um ou outro lance mais agudo, mas nenhum dos dois times corria disposto a marcar mais gols. A Alemanha Ocidental chegou a criar duas oportunidades, mas que levaram pouco perigo. O placar de 2 a 0 ainda seria confortável para as duas equipes. Com o passar do tempo, o jogo foi perdendo velocidade e intensidade. Os dois times tocavam a bola inofensivamente na defesa. Quem estava com a bola não recebia nenhuma pressão do adversário, nem tentava avançar. A torcida presente no estádio começou a ficar revoltada com a falta de vontade de jogar dos dois times. Gritos de “Fuera, Fuera” começaram a ecoar no El Molinón.
A torcida espanhola vaiava os dois times, mas não eram apenas os espanhois que estavam insatisfeitos. Um torcedor alemão, inconformado com a postura da seleção do seu país, queimou a bandeira do país em protesto. Torcedores espanhois passaram a gritar “Argélia, Argélia”, enquanto torcedores argelinos, revoltados, mostravam dinheiro em protesto. Em sua primeira Copa, a Argélia poderia ter chegado à segunda fase. Quando o juiz apitou o final do jogo, austríacos e alemães comemoravam o resultado em campo, mas pareciam os únicos satisfeitos com o placar no estádio.
Os argelinos entraram com um protesto na Fifa contra o comportamento dos dois times em campo, mas a entidade manteve o resultado do campo. Porém, a partir deste fato, a Fifa regulou que os últimos jogos da fase de grupos na Copa do Mundo fossem jogados ao mesmo tempo, evitando que seleções entrem em campo sabendo o resultado do outro jogo do grupo e evitando que ocorra novamente um jogo com resultado favorável a ambos os times. O episódio ficou conhecido como Schande von Gijón (“Vergonha de Gijón”) e marcou a história das Copas do Mundo.