terça-feira, janeiro 28, 2025
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    Relembrar é viver: Entrevista com o produtor do Football Manager em 2013

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    Uma das maiores marcas para quem joga Football Manager é o português de Portugal. “Quero ver coisas boas” e “Os adeptos dançam nas bancadas” são algumas das frases clássicas de quem é fã do jogo, que lança nesta quarta-feira o Football Manager 2014, a mais nova versão, com uma novidade justamente na língua.

    Pela primeira vez, o game terá como opção o português brasileiro. Essa é uma das inclusões do jogo, que tenta ser melhorado a cada ano, mesmo já sendo considerado um dos mais realistas do mundo quando se fala de futebol. Mas se o realismo de Fifa e PES está ligado aos gráficos impecáveis, mecânica de movimentos precisa e licenciamento de ligas importantes ao redor do mundo, o Football Manager conquista especialmente pelo que acontece fora de campo.

    No FM, como o jogo é conhecido, o seu maior trabalho é justamente fora das partidas, quando você monta o time, contrata, dispensa, cria a tática, o treino, se relaciona com a diretoria do clube e com a imprensa. Conversamos com Miles Jacobson, produtor do Football Manager, sobre a nova versão desse jogo que tem tantos fãs ao redor do mundo – e responsável por acabar com muito da vida social de quem joga. Não por acaso, é chamado na Inglaterra de “destruidor de relacionamentos”.

    Abaixo, você lê a entrevista que Miles dada a nós, realizada em 2013. Confira:

    O Brasil tem uma enorme base de fãs do Football Manager e desta vez o jogo vez em português brasileiro. Como vocês decidiram colocar essa língua no jogo?

    Bom, o modo como nós decidimos qual língua vai entrar no jogo é puramente uma decisão financeira. E quando nós temos certo número de pessoas no país que compra o jogo, nós os premiamos adicionando a língua. O número que sempre olhamos é 15 mil e neste ano, pela primeira vez, nós alcançamos esse número no Brasil. No dia seguinte, assim que eu tive os números dizendo que tínhamos atingido essa quantidade no Brasil, eu anunciei no Twitter que teríamos português brasileiro. Nós estamos confiantes neste ano. Nós encontramos as pessoas para trabalhar conosco e fomos certamente ajudados pelo Steam [plataforma online onde é possível comprar jogos, inclusive o Football Manager], para quem nós fornecemos o jogo, que incluiu o Real como moeda no ano passado [antes disso, só quem tinha cartão de crédito internacional podia comprar o jogo]. Nós fizemos um esforço extra para mostrar à Sega, dona da empresa, que o custo de tradução para português valeu a pena. E nós esperamos conseguir ter ainda mais pessoas no Brasil jogando Football Manager.

    Desde quando há pessoas trabalhando no Brasil para o Football Manager?

    Acho que já são 16 ou 17 anos com pessoas trabalhando no Brasil e nos últimos dois anos ficou cada vez maio. Fomos capazes de pesquisar ainda mais times e ainda mais jogadores. Há muitas pessoas no Brasil que jogam futebol, mais do que qualquer país do mundo, em um nível decente, um bom nível de habilidade. E é importante que tenhamos pessoas olhando os menores clubes assim como os maiores, para que possamos fazer com que a experiência de jogar seja tão boa quanto queremos que seja. Então, não se trata apenas de achar os Ronaldinhos ou Neymares, mas também os jogadores atuando em outros níveis também.

    Sobre isso, algumas pessoas ficam impressionadas em como o Football Manager tem não só os jogadores do time principal, mas também os jogadores da base, sub-20 e mais. Como é feito o trabalho de pesquisa para chegar a esse nível de detalhe?

    As diretrizes que cada pesquisador recebe é um documento que tem mais de 100 páginas. Então é bem claro o modo como queremos que as pessoas façam as pesquisas para o jogo. Além disso, não estamos interessados em ter pesquisadores que só vejam partidas do time principal. É muito importante que o pesquisador veja jogos dos times de base. Não é como o Fifa [jogo da EA Sports] que as datas são reiniciadas a cada ano e só tem os jogadores do time principal. Conosco, você joga 20, 30 temporadas, então nós temos que ter a capacidade de prever até onde vão esses jogadores. Então é por isso que temos a maior base de olheiros do mundo com mais de 500 pesquisadores em diversas partes do mundo, assistindo aos times jogando toda semana em diversos níveis. Do meu ponto de vista, se um jogador de 17 anos no Brasil é convocado para a seleção brasileira sub-17 e nós não o conhecemos, eu ficaria muito decepcionado. Por isso, temos que assistir esses jogadores desde cedo, em muitos casos, muito antes da idade permitida para aparecer no jogo, que é ter 16 anos no dia 1º de julho, mas esperamos estar observando jogadores desde que eles têm 14 anos, assim podemos entender como o jogador irá se desenvolver na vida real.

    Um dos problemas do Football Manager é que não tem a quarta divisão brasileira, a Série D, e uma vez eu falei com você no Twitter e você me respondeu que o Brasil tem um sistema de liga muito complexo. Onde vocês conseguiram chegar desta vez no FM 2014?

    Nós temos os mesmos níveis que tínhamos no Football Manager 2013, mas nós melhoramos muito o editor. Então, eu espero que alguém usando as ferramentas avançadas do editor possa criar a quarta divisão no Brasil e resolver esse problema. Com os recursos adicionais do Steam, é muito mais fácil para as pessoas compartilharem com outras pessoas. No menu inicial do jogo, você tem um item chamado downloads, você irá para o Steam Workshop e você poderá tudo que foi criado pela fantástica comunidade e base de fãs que temos ao redor do mundo. Então, esperamos que a comunidade possa criar isso e muito mais.

    Falando sobre isso, a comunidade do Football Manager ao redor do mundo é enorme e cria coisas incríveis, como atualizações e ligas que não estão no jogo. Como é a relação com a comunidade quando vocês estão desenvolvendo o jogo?

    Nós ouvimos o que as pessoas dizem na comunidade e muitas das funções novas que entram nos jogos são pedidos por fãs do jogo. Nós levamos essas sugestões tão a sério quanto se fossem nossas mesmo. Eles nos pediram se podíamos fazer um editor ser mais poderoso, então o fizemos mais poderoso. E agora os jogadores têm ferramentas similares às que nós temos internamente para fazer ligas e fazer edições. Acima disso, temos o editor de jogos salvos pela primeira vez neste ano, o que permitirá às pessoas editarem um jogo que estão jogando. E há outras ferramentas que permitiremos que as pessoas façam o download. Algumas ferramentas são muito perigosas de usar, porque causaria problemas na memória do computador e, para que não causasse problemas para as pessoas, então essas ferramentas, são feitas via download pago. O editor do jogo e o editor avançado estarão disponíveis gratuitamente.

    Uma das coisas que se pergunta é sobre licenciamento. Como é feita a negociação em outros países? Houve negociação com o Brasil?

    Bom, é algo complicado, cada liga é de um jeito. No Brasil, é preciso negociar com cada um dos clubes. Na Holanda, alguns clubes se juntaram, mas alguns ainda são negociados individualmente. Na Inglaterra, é um sistema mais coletivo. Temos uma equipe que cuida disso na Sega, que cuida da questão de licenciamento para nós. Eles sabem quais as ligas que queremos licenciar, quanto custa cada uma e quanto temos para gastar e quais poderemos licenciar ou não, porque chega um ponto que estamos pagando tanto pelo licenciamento das ligas que começamos a perder dinheiro em cada cópia do jogo que vendemos.

    Uma das reclamações da última versão do jogo é que era difícil contratar jogadores em alguns clubes, especialmente jogando com os menores clubes. O que vocês fizeram para a edição desse ano?

    No jogo do ano passado, se você jogava com um time menor, era difícil achar jogadores, porque você não tinha nenhum dinheiro e o sistema de transferências nos jogos anteriores beneficiavam os grandes clubes. Então, se você estava nos grandes clubes brasileiros, era fácil, mas nas divisões mais baixas, era muito difícil. Nós fizemos na verdade muitas mudanças no código do sistema de transferências neste ano e não beneficia mais as grandes transferências, o sistema está muito mais equilibrado e foi separado em grupos. Você verá que os clubes menores serão capazes de contratar jogadores pagando mais barato se esses jogadores não forem jogadores de nível mundial. Só que os jogadores mais caros estão ainda mais caros. Porque na vida real, você tem clubes como o Real Madrid, que está disposto a pagar € 100 milhões em um jogador. Isso não era possível no jogo do ano passado, os jogadores se transferiam por 50, 60 milhões de euros. Então, há diferenças entre os jogadores que se transferem por € 30 milhões ou mais, os jogadores que se transferem por €10 milhões ou mais e os jogadores que se transferem por uma quantia bem menor de dinheiro, então deverá ser mais fácil contratar nesse sentido.

    Para alguns países, especificamente da América do Sul e Portugal, nós criamos a opção de um jogador ter porcentagens de seus direitos vinculados a um empresário. Então, se você está sem dinheiro, mas tem um jogador muito bom, você pode encorajar um empresário a comprar uma porcentagem do jogador, o que é mais parecido com o que acontece na vida real. E mesmo que você seja um grande clube você pode fazer isso, muitos clubes grandes no Brasil e em Portugal fazem isso. É algo muito complicado para os clubes europeus contratarem, porque na Inglaterra o clube tem que ter 100% dos direitos do jogador, então para um jogador se transferir, é preciso negociar não só com o clube, mas com o empresário do jogador. Mas isso torna a experiência mais realista.

    Uma das coisas que deu para perceber testando o jogo é que há muito mais personalidades de jogadores. O que vocês fizeram para ter tantos tipos de jogadores e personalidades diferentes no jogo desta vez?

    As personalidades extras dos jogadores é um novo sistema que permite não só ter a normal e tediosa coletiva de imprensa que você recebe as mesmas perguntas toda semana, mas pode construir relacionamentos com os jornalistas, com os jogadores, com os técnicos. O sistema é mais flexível que qualquer coisa que fizemos até hoje. O que você está vendo é que os dados de personalidade dos jogadores não mudaram, mas você verá muito mais dessa personalidade aparecer. Os jogadores ficarão bravos se quiserem deixar o seu clube e você pedir um valor muito alto pela transferência deles. Os jogadores não vão querer que você contrate mais ninguém para a posição dele e ele pode ficar bravo se você fizer isso. Agora você pode pedir para o seu capitão falar com um jogador que está infeliz para tentar mudar a opinião dele. Um jogador pode estar infeliz porque acha que você contratou jogadores demais, mas depois de jogar algumas semanas como titular, provavelmente ficará feliz de novo. Então os jogadores estão mais parecidos com humanos e não mais tão robóticos.

    Eu acho que essa é a principal mudança do jogo em relação à versão 2013.

    É algo que você se você joga por um tempo longo, você nota mais. Não é algo que é óbvio para o usuário, mas se torna mais óbvio à medida que se joga a partida e isso é uma coisa muito importante porque se gasta uma grande quantidade de tempo jogando Football Manager, a média do Football Manager 2013 por pessoa era 230 horas por jogo. Quando você joga por tanto tempo, o jogo pode se tornar tedioso e ainda que você queira que seu time vá bem, você não está percebendo nada novo. Então, tentamos adicionar muitas mudanças pequenas e você pode sentir essas mudanças assim como as mudanças grandes que fizemos no jogo. Fizemos muitos anúncios de coisas novas no Twitter, mas ainda que pareçam grandes mudanças separadamente, quando colocadas juntas são uma enorme diferença.

    Uma geração inteira de jogadores joga Football Manager, mesmo antes de ter esse nome, quando era Championship Manager, e alguns estão trabalhando no futebol, como André Villas-Boas [técnico do Tottenham], que já disse várias vezes que jogou desde a adolescência. Outros técnicos e comissões técnicas usam a base de dados do jogo como pesquisa. Como vocês veem isso, o Football Manager interferindo no futebol real?

    Na Inglaterra temos uma frase que é “a vida imita a arte”. O que estamos fazendo é um jogo sobre ser técnico para as pessoas jogarem. O fato de pessoas de dentro do futebol usarem como referência é provavelmente o maior elogio que poderíamos receber. Nós permitimos que algumas pessoas que trabalham com futebol testassem o jogo antes mesmo da imprensa ter acesso ao jogo, algumas semanas antes, porque queríamos ter o feedback de jogadores para ajudar a moldar o jogo nos últimos meses de desenvolvimento. Foi tão muito bem sucedido, estamos falando de 150 jogadores e 350 pessoas, contando técnicos e empresários, e ajudou muito a desenvolver a experiência do jogo. Se você conhece jogadores ou técnicos que queiram estar envolvidos, diga para me mandarem um e-mail (risos), mas é exclusivo para quem trabalha dentro do futebol. É muito importante ter esse feedback para que o jogo saia do melhor jeito possível.

    Obrigado pela entrevista, Miles. Meu chefe na Trivela disse que, em parte, o site só existe por causa do Football Manager. Então, obrigado (risos).

    (risos) Que bom por isso! Espero que as pessoas gostem do jogo. Obrigado pela oportunidade.

    Felipe Lobo
    Felipe Lobo
    Jornalista, podcaster e criador de conteúdo. Editor da Trivela antes do Meiocampo. Faz parte do podcast Meiocampo e também é criador do canal Próxima Fase, sobre games. Um apaixonado pela Internazionale desde os tempos de Ronaldo, vive o futebol intensamente desde a Copa de 1994 e trabalha com futebol desde 2009.

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