Aos 21 anos, Neymar é o principal jogador do futebol brasileiro. É para ele que todos olham como o grande nome da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2014, que será por aqui, com uma enorme pressão e com uma grande responsabilidade. É o grande craque do Santos, seu clube, e tem que carregar o time nas costas na maioria das partidas. Ao mesmo tempo, e talvez por tudo isso dito antes, há um discurso para “proteger o craque” usado por dirigentes do seu clube, pelo técnico e até por parte dos analistas de futebol, o que torna o jogador mais mimado sobre a sua condição “especial”. Apesar de aparentemente parecer ser beneficiado por essa “proteção”, na verdade Neymar é o maior prejudicado disso tudo.
É impossível, mesmo para um craque como Neymar, decidir todas as partidas. Em alguns jogos, ele não conseguirá fazer valer o seu talento, porque simplesmente o adversário conseguiu bloqueá-lo. Acontece com os maiores craques do mundo. O problema é que no Santos o esquema tático em 2012 foi “toca no Neymar e ele resolve”. Como Neymar é um jogador muito acima da média, muitas vezes resolve e leva o time adiante. Mas quando tiram a maior parte do espaço e fazem uma marcação eficiente, o Santos não tem saída. Sem alternativa, acaba não conseguindo vencer. E a responsabilidade recai sobre o principal jogador do time.
Essa dependência de Neymar torna o Santos mais vulnerável e acaba sendo ruim para ele mesmo, que se vê obrigado a decidir sozinho, partir para a jogada individual o tempo todo e perde a chance de melhorar o seu sentido coletivo, algo que viria naturalmente em um time melhor montado e menos dependente dele. Tanto que o próprio Neymar reclamou após um jogo contra a Ponte Preta, pelo Campeonato Brasileiro de 2012. Criticou os companheiros, dizendo que não pode fazer tudo sozinho. Muricy Ramalho, também criticou os demais jogadores do Santos, que “ficavam olhando para o Neymar esperando ele fazer alguma coisa”. Só que era ele, Muricy, que deveria preparar o time para não fazer isso e ter alternativas de jogada. E cobrar o próprio Neymar para trabalhar nesse sentido.
Na seleção, quando o Brasil perde, como foi contra a Inglaterra, Neymar é o primeiro a ser cobrado por uma boa atuação. Natural, já que é o principal jogador. Ele é jovem demais para isso, mas o panorama não mudou até agora e estamos em 2013. Será difícil arranjar uma forma de mudar a um ano e meio para a Copa. Ronaldinho? Kaká? Outro jogador arrebentando, como Oscar ou Lucas? Talvez. Mas é de Neymar que se espera mais. E o time não pode depender dele, ainda que deva contar com o seu enorme talento. Talento é importante, mas é preciso muito trabalho, posicionamento, variação de jogo.
Futebol é um esporte coletivo e é preciso entender isso, mesmo quando se tem um craque como Neymar. É óbvio que o melhor jogador do time fará falta se estiver marcado demais, como Messi ou Cristiano Ronaldo em seus times. Mas é por isso mesmo que o time precisa saber usar a forte marcação sobre seus jogadores mais importantes como estratégia para que outros jogadores aproveitem o espaço deixado.
A tática 4-2-toca-no-Neymar é prejudicial ao craque santista, mas vai além disso. O discurso de “é preciso proteger o craque”, que é bradado por alguns para que os árbitros marquem as faltas sobre o jogador, faz com que se pense que jogadores habilidosos e talentosos devem ser protegidos. Aos perebas, resta apanhar em silêncio.
“Proteger o craque” não existe. É um pensamento estúpido. Os árbitros devem marcar faltas quando elas acontecem, não porque é sobre Neymar ou sobre o Joãozinho que joga em um time pequeno do interior. Esse tipo de pensamento faz com que Neymar seja levado a continuar cavando faltas, já que o árbitro tem que protegê-lo. Ainda mais porque os árbitros no Brasil costumam marcar mais faltas, até pela orientação que recebem (se é que recebem, de fato).
A atitude de Neymar também precisa mudar, se ele quer evoluir. Todo craque precisa saber que existe a honra do adversário em jogo. Quando se faz o que Neymar fez com Nunes, do Botafogo, ex-Santo André, ao receber a bola, colocar as mãos na cintura e tentar um lance abusado, com o jogo ganho, e sem muito objetivo em campo, ele tem que saber que será cobrado por isso em jogos maiores, quando a situação estiver mais complicada. Neymar faria o mesmo que fez com Nunes contra a Inglaterra, em Wembley, com a camisa da seleção brasileira? Ele será cobrado para isso. E não importa se Neymar e Nunes tinham uma briga de muito tempo. É o craque da história. Precisa saber que ele precisa ser maior também nisso.
Neymar sabe que é o dono do time do Santos. Sabe que ninguém irá reclamar com ele se ele não passar a bola em um lance que a melhor opção não seria a jogada individual, porque o time depende disso. Ninguém irá reclamar se ele abusar um pouco e fizer graça na frente do adversário, mesmo sabendo que o jogo está ganho e que o time do outro lado é muito mais fraco. Sabe que o discurso sobre as muitas faltas que recebe será endossado depois dos jogos. As perguntas dos repórteres frequentemente são “você acha que apanhou muito?”. Foi o que aconteceu, aliás, neste fim de semana, com a expulsão contra a Ponte Preta, curiosamente a mesma Ponte Preta de quando reclamou em outubro. Os repórteres perguntaram: “A expulsão foi injusta, Neymar?” (apesar de eu mesmo ter achado a expulsão um exagero, poucos o pressionaram, só mesmo as rádios de Campinas). E, assim, ele é incentivado a investir mais a mais no jogo individual, decidir por si, chamar faltas, cavar pênaltis, ser o craque do jogo várias vezes e ter menos senso coletivo. Por que, no fim do jogo, sempre haverá uma desculpa para seus erros.
Quando o jogo coletivo for realmente necessário, em jogos e marcação apertada, tudo que Neymar poderá fazer é reclamar que os companheiros não se mexem. Muricy reclamará também dos demais jogadores e jogará pressão no árbitro ao dizer que seu craque apanha muito. Analistas dirão que é preciso “proteger o craque”. Aí Neymar abusa do individualismo, passando do ponto, eventualmente, porque é isso que se espera dele. Alegarão que é o futebol-arte. O risco disso não é ele tomar uma falta dura demais. O risco é ele não aprender a sair do cadeado posto pela marcação adversária, mesmo quando os marcadores não são individualmente talentosos, como a Inglaterra não era, mas coletivamente são eficientes. E aí não adiantará colocar a mão na cintura. A não ser para lamentar.
Neymar não precisa ir para a Europa para evoluir na carreira. Mas precisa aprender a jogar coletivamente e precisa parar de ser mimado. Porque, no fim, o fato de ter que decidir sozinho faz dele um jogador ainda mais decisivo. Em um time mais forte, que não dependesse de suas jogadas, ele apareceria menos. Ele está pronto para isso? Não parece que veremos isso no Santos, onde ele é tratado como “jóia”. Ainda mais com Muricy, que parece fazer o time ficar cada vez mais dependente de Neymar. E fica cada vez mais difícil acreditar que ele terá como evoluir coletivamente jogando no Brasil, porque não sairá do Santos para um rival. Resta um grande time europeu. Mas isso também não deve acontecer em breve. Então, só um fator pode fazer Neymar evoluir seu jogo coletivamente: a sua própria consciência disso.