O futebol é chamado de “beautiful game” (“jogo bonito”) pela Fifa e é o maior esporte do mundo em vários aspectos. Um deles é o financeiro. O dinheiro que o esporte movimenta em tantos países diferentes chama a atenção – e não só pelo lado positivo. Os donos bilionários de clubes ao redor do mundo conseguem faturar alto, mesmo com clubes deficitários. A revista americana The Economist criticou duramente o futebol por ser uma “máquina de lavagem de dinheiro e fraude” à disposição de criminosos, muito por causa do pouco interesse das autoridades governamentais e do futebol em combater esse tipo de prática.
Se você pensar, futebol é mesmo um mundo à parte. Um mundo bem diferente de pessoas comuns. Impostos pressionam empresários e a população, os bancos agem como agiotas legalizados e muitos são obrigados a fechar seu negócio porque não conseguem lidar com a pressão e as obrigações impostas por todos os lados. Esse mundo de pressões já chegou ao futebol também, com diversos clubes abrindo falência e tendo que se refundar (os casos do Napoli e Fiorentina na Itália, Portsmouth na Inglaterra e Rangers na Escócia mostram isso). Para a Economist, essa situação está fazendo com que os clubes fiquem mais propensos a, digamos, uma “ajuda” mais generosa e menos arriscada. Para isso, a revista diz que a fórmula é assustadoramente simples.
“Crie uma holding (ou um nicho delas) em uma jurisdição discreta, como muitos donos fazem, e você terá uma máquina de lavagem de dinheiro e fraude à sua disposição. As autoridades dificilmente irão te incomodar”. Entre as estratégias descritas, a revista cita as receitas de bilheteria. “Inflar” o público que vai aos jogos é uma forma de tornar um dinheiro conseguido de maneira ilegal totalmente dentro da legalidade. E cita uma prática comum no Brasil. “Se você precisar de algum dinheiro em caixa, você pode desviar da bilheteria, uma tática que alguns dos dirigentes brasileiros, os cartolas, teriam feito no passado”. Há rumores que muitos ainda fazem, viu Economist?
A revista ainda cita outras práticas comuns no meio do futebol, como inflar o preço de um jogador comprado de um clube parceiro, como uma forma de tornar aquele dinheiro em caixa que chegou por meios, digamos, duvidosos, ficar totalmente limpo. Ou até mesmo anunciar salários altos, mas que na verdade só serão pagos em parte. Ou mesmo premiações, comissões de empresários e tudo mais. Tudo isso pode ser uma forma de maquiar as finanças e tornar o caixa do seu clube uma forma de legalizar recursos. Mesmo quando se compra um jogador com valor inflado, isso é bom. Porque o valor do seu patrimônio virtualmente sobe, os empréstimos se tornam mais fáceis, o time consegue recursos melhores, as ações sobem, mais investidores são atraídos. É um ciclo de dinheiro pouco fiscalizado, porque o caminho que ele faz é tortuoso, sem fronteiras de países e passando por muitos intermediários.
O artigo cita algo que a Europa tenta combater, mas, claro, sem a força que poderia – ou deveria -: os jogadores que têm seus direitos econômicos vinculados a empresas, não a clubes. Com isso, se torna muito mais simples lavar dinheiro: o clube vende o jogador por um valor abaixo do que ele vale para uma empresa, que é de alguém do clube. Essa empresa então venderá o jogador por um valor altíssimo para outro clube e, assim, o dinheiro é desviado do clube, sem muitos problemas.
E as apostas? Esse problema que assola o futebol mundial desde que ele existe segue sendo uma grande forma de gerar fortunas e de manchar o esporte. Não são poucas as desconfianças sobre quadrilhas asiáticas e dos Bálcãs que influenciariam os resultados dos jogos para beneficiar apostadores. Mas isso é só uma parte dos problemas envolvendo apostar. Uma pesquisa divulgada pela Associação de Jogadores Profissionais (FIFPro) mostra que a pressão para a entrega de resultados vem, muitas vezes, de quem paga os salários dos jogadores. Isso mesmo. No leste europeu, essa prática é bastante presente.
Segundo os dados divulgados, 35% dos jogadores do Cazaquistão que responderam à pesquisa já foram solicitados por seus patrões a conseguir um determinado resultado de jogos para apostas. Na Grécia, 30%. Outros países do leste europeu e Bálcãs também foram citados, como Bulgária (pouco menos de 15%), Rússia (10%), República Tcheca (10%), Ucrânia (cerca de 8%), Polônia (cerca de 7%) e Croácia (5%), entre outros, sofrem do mesmo problema.
Os dirigentes usam uma arma simples para pressionar os jogadores a seguirem as instruções: muitos deixam de pagar os salários se o resultado não for o combinado. Na Grécia, 78% dos jogadores responderam à pesquisa dizendo que os salários não eram pagos em dia. Na Croácia, 60%, na Bulgária 55% e por aí vai. Intimidação e pressão para que os resultados sejam o esperado.
O texto ainda fala de negócios ainda mais graves. Cita Zeljko Raznatovic, conhecido como Arkan, um paramilitar sérvio, já morto, que usou o clube de futebol para tráfico de armas e drogas. Esse tipo de prática está longe de ser incomum. Países como Rússia e Bulgária já se viram envolvidos em problemas desse tipo. Só na Bulgária, 15 donos de clubes de futebol foram assassinados em uma década. Na Rússia, há relatos parecidos e não são poucos os casos de donos de clubes que são mortos.
Com tudo isso, a revista ironiza que as autoridades não façam força para impedir esse tipo de prática. Com tantos atrativos para criminosos, não é à toa que vemos tantos donos de clubes bilionários gastando dinheiro como se não houvesse amanhã. Enquanto as autoridades permitirem que o futebol seja essa máquina de lavagem de dinheiro e uma porta de entrada para crimes, continuará sendo assim.