Gritar “é campeão” pela primeira vez no torneio mais importante da América do Sul é um fato marcante e é sempre impressionante quando acontece com um clube com muita história. O Botafogo foi o mais recente a conseguir o feito e viu seu torcedor celebrar a plenos pulmões uma conquista que marca a reconstrução de um dos clubes com mais história no futebol.
Não é preciso muito para entender o peso histórico do Botafogo no futebol. Garrincha, Didi, Heleno de Freitas, Gerson, Jairzinho, Amarildo, Nilton Santos, Manga, Quarentinha, Paulo César Caju. São muitos nomes históricos e fundamentais para o futebol brasileiro – e por consequência, parte da história do futebol mundial.
Só que a história parecia envelhecida no preto e branco das imagens antigas. A última grande glória tinha sido no Campeonato Brasileiro de 1995. Desde então, foram muitos altos e baixos, com mais baixos que altos. Veio o rebaixamento, depois anos lutando para se manter na primeira divisão. Dívidas, times que não eram competitivos e momentos difíceis.
Em 2022, o clube tomou o passo histórico de se tornar SAF, um caminho inicialmente seguido apenas por quem parecia insolúvel. Era o caso do Botafogo. Era preciso uma reconstrução quase completa, do departamento de futebol à base. Daquele clube que brigava para evitar o rebaixamento para o que levantou a taça da Libertadores só há uma semelhança: a torcida.
Foi a torcida que aguentou todos os momentos ruins antes dos bons. O departamento de futebol mudou para melhor. Errou, mas acertou mais. A partir do segundo semestre de 2023, fez um grande mercado de transferências e construiu um time que quase se tornou campeão ali mesmo.
E a torcida revisitou alguns dos seus fantasmas quando a demolição da equipe, mentalmente, fisicamente e em campo, fez com que o título do Campeonato Brasileiro escapasse. O sonho do título ganhou um gosto amargo de decepção.
Veio o pior momento desse novo Botafogo, com relatórios duvidosos, acusações infundadas e uma histeria injustificável do dono, John Textor, apontando os dedos para o exterior para tentar expurgar a própria frustração, sob uma falsa bandeira de luta contra a corrupção – uma bandeira frequentemente usada de modo torto.
Era preciso continuar a reconstruir. Era preciso menos Good Game e seus relatórios estúpidos e mais jogo bom, boa cabeça, boa memória do que significa ser Botafogo. O clube que tem tradições aos milhões. Na estrada dos louros, um facho de luz. Tua estrela solitária te conduz.
O clube já estava nesse processo internamente, no seu departamento de futebol, e precisaria novamente se reconstruir em campo. Artur Jorge chegou para ser o técnico de 2024 e até a se irritou com perguntas sobre o colapso do ano anterior.
Vieram reforços, houve uma mexida importante no elenco, seja com jogadores que ganharam espaço, seja com caras novas. E o Botafogo mais uma vez se mostrou forte. A campanha na Libertadores foi uma mostra de força.
Palmeiras, São Paulo, Peñarol e Atlético Mineiro foram os adversários, todos derrubados pela Estrela Solitária com autoridade de quem foi melhor, indiscutivelmente. Ser melhor nem sempre é o bastante, como o futebol já cansou de mostrar. Desta vez foi.
A torcida é o elo que torna o Botafogo de Garrincha, o do rebaixamento e o campeão da América um único fio. Foi ela quem vibrou, com seus mosaicos, com o estádio Nilton Santos pulsando, com a fé estarrecedora de quem se acostumou a ajoelhar no cimento esperando por milagres.
Desta vez, nem foi preciso intervenção dos deuses do futebol. Foi o Botafogo, em reconexão com a sua alma, com a sua história e contando com dinheiro, mas principalmente organização que foi possível transformar lágrimas de desespero em lágrimas de felicidade incontida.
Os joelhos estavam no cimento de novo, mas desta vez não para ver a cabeça cair em desilusão, mas para a erguer aos céus, junto com os braços, para celebrar e se reconectar. De John, o goleiro, Bastos, o zagueiro, Marlos Freitas, o volante, Almada, o meia, Luiz Henrique, Savinho e Igor Jesus, um time que foi herói em cada jogo e que, ao final, foi e há de ser o imenso prazer da sua torcida.
É tempo de Botafogo.