terça-feira, março 11, 2025

É isso que o Conte faz

Algumas coisas não deveriam acontecer.

Um clube que perdeu o técnico, o melhor zagueiro, o melhor centroavante e o jovem mais promissor, cujo capitão foi vaiado pela torcida e tentou forçar uma transferência, e que caiu da primeira para a décima posição enquanto passava por três treinadores diferentes, não deveria estar brigando pelo título.

E um técnico que não passa mais de dois anos no mesmo endereço, tem a reputação de ser o maior pentelho da história dos Alpes, saiu brigado de todos os clubes em que trabalhou e força seus chefes a comprometerem o futuro para contratar veteranos não deveria ainda ser tão cobiçado.

No entanto, há um motivo para as duas coisas serem verdade.

O mesmo motivo que levou Aurelio de Laurentiis a procurar uma série de tapa-buracos após a saída de Luciano Spalletti, sempre que era recusado por quem ele realmente queria contratar: Antonio Conte é muito, muito bom.

O Napoli lidera o Campeonato Italiano neste momento. A Internazionale tem um jogo a menos e pode empatar em pontos, mas, após 21 rodadas, a briga pelo scudetto parece reservada a eles, sem descartar a possibilidade de a Atalanta encaixar uma sequência de vitórias e se aproximar. É uma posição estranha para se estar depois de uma trajetória tortuosa demais para apenas 18 meses desde aquele espetacular título italiano.

Spalletti é bom, às vezes ótimo, fez um trabalho excepcional, mas era o mais substituível. O scudetto veio na esteira de Victor Osimhen e Kvaratskhelia, com Kim Min-jae liderando um ótimo grupo de coadjuvantes. Espanta que o Napoli esteja tão bem sem contar com mais nenhum deles, principalmente pela maneira como os dois primeiros saíram.

Quando há um sucesso tão grande como o do Napoli naquela temporada, não é incomum vender os seus destaques na alta e reinvestir o dinheiro em novos protagonistas. Kim, por exemplo, havia sido a reposição de Koulibaly. Rendeu uma taxa de transferência razoável, na casa dos € 50 milhões, e não houve uma grande contratação imediatamente. Os rodados Amir Rrahmani e Juan Jesus seguraram a barra e, espiritualmente, seu sucessor acabou sendo Alessandro Buongiorno, contratado do Torino no meio do ano passado e um dos destaques da atual campanha.

Se esse foi um processo normal de reconstrução de elenco, apenas a roda continuando a girar, não dá para dizer a mesma coisa sobre a saída de Victor Osimhen. Após um trabalho excepcional de desvalorização do próprio ativo, o Napoli não conseguiu sequer vendê-lo e precisou se contentar com um empréstimo para pelo menos tirar o sofá do meio da sala. Osimhen estendeu seu contrato por uma temporada antes de pegar o avião para Istambul, efetivamente congelando sua situação na expectativa de que haja mais oportunidades no próximo mercado.

O Napoli queria evitar que isso acontecesse novamente com Kvaratskhelia, que ainda estava sob o contrato que assinou como uma jovem revelação de volta à Geórgia após a invasão russa na Ucrânia. Claro que houve interesse em lhe dar um salário mais condizente com o de uma estrela da Serie A, mas, à medida em que as negociações continuaram travadas, o Napoli passou a suspeitar que ele não tinha planos de longo prazo no sul da Itália, uma suspeita que ficou mais forte quando o agente de Kvaratskhelia disse com todas as letras que ele não tinha planos de longo prazo no sul da Itália. Para a consternação dos pais de Daniele Khvicha, ele foi vendido para o Paris Saint-Germain por aproximadamente € 70 milhões nesta janela de transferências de janeiro.

Resumindo: o Napoli tinha um time campeão liderado por Kvaratskhelia e Osimhen, perdeu ambos e ainda não recebeu o dinheiro ou teve tempo hábil para utilizá-lo, e ainda assim está brigando pelo título. Porque, apesar de tudo, conseguiu contratar jogadores para compensar a produção da dupla e que, por enquanto, pintam entre os protagonistas desta nova candidatura ao scudetto.

Kvaratskhelia nunca mais repetiu as atuações de sua espetacular temporada de estreia na Itália, pelo menos não com a mesma regularidade. Entre a bagunça que foi o Napoli pós-título e as questões extracampo nesses últimos meses, há fatores mitigantes. Ainda acredito que é e será um craque, mas não estava sendo indispensável. Ficou fora de três das cinco rodadas que antecederam a saída, e o Napoli venceu todas, em parte porque David Neres está compensando a sua produção. Elas são idênticas em participações diretas para gols até agora.

A ascensão do brasileiro contratado do Benfica é a manchete, mas há outros jogadores se destacando. Entre eles, alguns que já estavam no clube, como Frank Anguissa, talvez o quarto melhor do scudetto. Brilhou na crucial vitória sobre a Atalanta no último fim de semana, com duas assistências, e é o quarto artilheiro do Napoli na Serie A, com quatro gols, um número que não seria impressionante se, em toda a sua carreira, ele nunca tivesse passado de três em uma campanha de liga.

Forma o meio-campo ao lado de Stanislav Lobotka, outro remanescente crescendo de produção, e Scott McTominay, mais próximo da versão artilheira da seleção escocesa que do meia mediano que o Manchester United não fez questão de manter. Ao lado do citado Buongiorno, e cumpridores como Rrahmani, Politano e Di Lorenzo (apesar da imagem arranhada pelo pedido de transferência e uma queda de rendimento), já temos uma espinha dorsal bem sólida.

Mas, com a temporada passada como contraste, é difícil imaginar o Napoli onde está sem a estrutura que Antonio Conte fornece. Principalmente esse meio-campo com jogadores de muita força física e que gostam de moer os adversários, exatamente as características que costumam florescer com Conte. Não costumava ser um trio em outros times de sucesso que teve. Ele gostava de misturar um meia mais técnico, como Fàbregas no Chelsea e Eriksen na Internazionale, mas parece ter sido uma maneira de compensar a mudança dos três zagueiros, seu sistema favorito, para uma linha de quatro, o que tem funcionado muito bem até agora.

O principal exemplo dessa influência é Romelu Lukaku. A maneira como Conte sabe utilizá-lo com tanta excelência permitiu que o Napoli substituísse Osimhen emergencialmente sem comprometer tantos recursos – ainda que ele receba um salário alto. Em seu quarto clube em quatro anos, Lukaku marcou oito vezes pela Serie A, já próximo de sua melhor marca em uma campanha de liga (13 com a Roma) desde que foi campeão italiano com Conte em 2020/21.

E é por isso que os clubes toleram as idiossincrasias de Conte. Porque é isso que ele faz: com uma sólida estrutura tática e métodos… anh, intensos de motivação, imediatamente transforma o seu time em um candidato ao título. A única exceção foi o Tottenham, uma exceção na carreira da maioria dos treinadores, e mesmo nesse caso houve um salto de competitividade em um primeiro momento.

Depois, claro, vem o resto, mas aí é um problema para o Napoli do futuro. O do presente quer, e pode, ser campeão.

Bruno Bonsanti
Bruno Bonsanti
Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

Posts relacionados

ÚLTIMos posts

MAIS LIDOS