quarta-feira, março 12, 2025

O moedor de jogadores

Cruzei esta semana com uma lista das contratações mais caras da história do Manchester United. Também poderia ser um ranking das piores contratações de todos os tempos. A única que sem nenhuma dúvida foi bem-sucedida era a de Bruno Fernandes, e ainda assim, o cara foi expulso três vezes nesta temporada antes do Natal.

O engraçado daquela lista é que, com a exceção de Bruno, todas as contratações variam entre o desastre e o por que você gastou 70 milhões de euros num maluco que fez nove gols pela Atalanta, mas, embora realmente caras, a maioria era justificada na época.

Qualquer lista de melhores meias jovens do mundo incluiria Pogba. Provavelmente no topo. E ele estava voltando para casa. Não tem provavelmente com Casemiro: ele era o melhor volante do mundo. Acabara de ter um papel central em um dos períodos mais vitoriosos da história do clube mais vitorioso da Europa. Jadon Sancho comia a bola no Borussia Dortmund, Di María havia brilhado na final da Champions League e Harry Maguire era um zagueiro alto, forte, excelente no jogo aéreo, com experiência de Premier League e perfeitamente moldado para o futebol inglês.

Brincadeira. Maguire só não é o pior da lista porque logo acima tinha o Antony.

Então pode ser que tudo tenha sido uma ilusão, e Casemiro foi pentacampeão europeu por acidente, e Sacho na verdade pisava na bola e foi tudo uma conspiração da geração de imagens da Bundesliga, ou, o mais provável, é que o Manchester United destrói jogadores. O que nem é novidade. Falamos sempre sobre isso. O que chama um pouco de atenção é agora termos um exemplo de um processo totalmente interno, com alguém que eles não contrataram.

Sempre que Marcus Rashford colocava a bola nas redes, ele apontava para a cabeça. Durante alguns meses depois da Copa do Mundo do Catar, isso aconteceu de duas a três vezes por semana. Não é incomum quando o jogador ainda está em formação: do nada, tudo clica e eles mudam de patamar.

Parecia que isso tinha acontecido. Parecia que ele havia descoberto o segredo. O segredo que transforma ótimos jogadores em algo mais. O segredo que o transformou em um atacante que deixava os marcadores comendo poeira e ziguezagueava com propósito, que era capaz de marcar dez gols em dez rodadas da Premier League, atordoar o Barcelona no Camp Nou e liderar o Manchester United a um título.

O segredo era este: “Futebol é provavelmente 95% mentalidade. Muitos jogadores têm habilidade, mas o que os diferencia é mentalidade. Estive nos dois lados dela. Entendo a sua força e o seu valor”.

Certo. Então esse mesmo jogador que atribuiu o melhor momento da sua carreira à mentalidade acabou de ser emprestado ao Aston Villa depois de dois anos em que teve uma vida noturna tão agitada e uma diurna tão acomodada que levou o seu técnico a dizer que preferia colocar o treinador de goleiros de 63 anos em campo se ele não melhorasse a atitude.

Sem trocadilhos, como diabos isso aconteceu?

Eu não tenho a resposta. Talvez em algumas semanas saia alguma reportagem dizendo que ele teve algum problema pessoal, talvez não, ele não seria o primeiro jogador que de repente decidiu não levar mais a carreira tão a sério por qualquer motivo que seja, mas meio que não importa porque meu objetivo não é crucificá-lo e nem o isentar de responsabilidade e muito menos tentar determinar se a decisão de barrá-lo e deixá-lo sair foi exagerada ou correta.

O Manchester United nunca poderia ter permitido chegar a esse ponto. Não com um dos seus.

Rashford nasceu na cidade. Chegou ao clube aos sete anos. Era para ele ser o líder da era pós-Alex Ferguson, a ligação direta com a comunidade, o pedacinho de hiperlocal na liga mais globalizada do mundo, o jogador com o qual o torcedor mais se identifica, e uma reportagem do The Athletic explorou o quanto isso pode ser um fardo pesado em Manchester. Mas a parte que mais me atraiu foram algumas declarações de dois ex-jogadores do United.

“Nós tínhamos profissionais de personalidade forte no vestiário para nos manter na linha. Jogadores como Bryan Robson e Steve Bruce. Eles estabeleciam o tom, nos diziam o que era ou não era aceitável. Eles sabiam quem era quem em Manchester, quem e que lugar evitar. Onde estão esses líderes agora? Acima deles, você tinha o técnico (Ferguson) que sabia ainda mais”.

Acima de tudo, o problema central do Manchester United parece ser que a cultura do clube, de responsabilidade e cobrança, de todo mundo trabalhando na mesma direção por um objetivo em comum, engajados e investidos em ter sucesso, parece ter morrido com a aposentadoria de Ferguson, ou foi morrendo pouco a pouco, e os donos que nunca se interessaram muito pelo rolê e as pessoas que eles contrataram para gerir o departamento de futebol, incluindo um banqueiro de investimentos (!!), nunca conseguiram reconstruí-la.

Na ausência dela, mesmo alguém com uma cabeça que parecia tão boa quanto a de Rashford corre o risco de de repente perdê-la.

Isso é sempre difícil de medir olhando de fora, mas qual outra hipótese explica 12 anos de mediocridade tendo empregado pessoas tão talentosas quanto os jogadores citados no começo do texto e tantos outros que passaram como fantasmas por Old Trafford, ou treinadores como Louis van Gaal e José Mourinho e Ralf Rangnick? Hoje em dia quem treina o Manchester United está fadado a virar motivo de piada, mas Erik ten Hag é um bom técnico. Rúben Amorim é um bom técnico. Os outros três são lendas.

Bruno Fernandes é o capitão e tem personalidade de líder. Mas não adianta. Casemiro tem personalidade de líder. Não adianta. Cristiano Ronaldo tem personalidade de líder. Nada adianta. O problema não pode ser individual. Não pode ser que o Manchester United conseguiu errar 138 contratações consecutivas desde Wilfried Zaha, a última de Ferguson, e em mais de uma década não encontrou um jogador com presença de vestiário. Ele precisa ser mais amplo.

E não quero dizer que se Ferguson tivesse atirado uma chuteira na testa de Rashford tudo estaria resolvido. Foi mais ou menos o que Rúben Amorim tentou fazer com a declaração do treinador de goleiros. Talvez tenha sido tarde demais. Talvez essa abordagem não funcione mais hoje em dia. Mourinho fala bastante sobre como está diferente e mais difícil ter a atenção dos jogadores, motivá-los e administrá-los, atrair os seus olhos da tela do smartphone.

Mas os problemas de Rashford não acontecem em um vácuo. Acontecem em um clube do qual nenhum jogador sai melhor do que quando entrou. Nunca vou me convencer que Rashford, que aos 22 anos comprou briga com o governo britânico para alimentar crianças, era um caso perdido. Que um clube de futebol funcional não teria conseguido recuperá-lo. Que a bagunça do Manchester United não contribuiu para o seu gradual processo de desencanar.

Pelo amor de Deus, esse clube conquistou uma Tríplice Coroa enquanto Beckham namorava uma Spice Girl.

Não existe uma quantidade de derrotas para o Crystal Palace ou goleadas do Brentford que se compara a perder um prata da casa que dois anos atrás parecia um dos melhores jogadores do mundo dessa maneira. Rashford foi apenas emprestado com opção de compra. Pode ser que volte. Sabe-se lá quem será o treinador do Manchester United daqui a alguns meses, mas ainda bem que a Classe de 1992 não era a Classe de 2015.

Bruno Bonsanti
Bruno Bonsanti
Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

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