quarta-feira, março 12, 2025

Países Baixos, Bélgica e a brecha à euforia na Champions

O novo formato da Champions League culminou em diversas mudanças na competição, descobertas e digeridas aos poucos. Uma das transformações mais significativas ocorre nos mata-matas, não apenas pela adição de uma fase a mais, mas também pela chance ampliada a oito participantes. Times que em outros tempos seriam repescados à Liga Europa, mas que agora ganham uma sobrevida no palco principal. A porta se abre a camisas diferentes, a mais ligas. E o maior sucesso nesta estreia da nova fase classificatória veio para Benelux. PSV, Feyenoord e Club Brugge protagonizaram grandes histórias – aproveitando-se dos espólios italianos nos três confrontos.

O grupinho dos “superleaguers” na Europa é bastante restrito. Assim, o aumento de 16 para 24 equipes nos mata-matas significa expandir o espaço a mais clubes que, em teoria, seriam meros coadjuvantes na Champions. Sem mudanças significativas no equilíbrio entre ligas com o novo formato, a tendência é que o escopo se abra a times além dos principais campeonatos nacionais. E o que as surpresas desta Champions mostraram é que dá para competir, especialmente em 180 minutos propícios a franco atiradores.

PSV e Feyenoord possuem tradição inegável na Champions, como ex-campeões. Da mesma forma, vêm de sucessos recentes em uma liga intermediária como a Eredivisie. Contudo, ambos eram vistos como azarões diante de Juventus e Milan, ainda mais condecorados na história continental e de uma liga também mais poderosa. Mas, contra favoritos enfrentando claros problemas na temporada, a dupla neerlandesa provou como o novo formato da Champions permite surpresas. Pela primeira vez desde 2005/06, os Países Baixos colocam dois times nas oitavas de final.

O Club Brugge também possui seu peso histórico na Champions, vice-campeão há quase cinco décadas. Mais recentemente, se firmou como um time difícil de se enfrentar na fase de grupos, que até passou às oitavas de final em 2022/23 e ainda pegou semifinal de Conference em 2023/24. Contra uma Atalanta que ganhou casca nos últimos anos e até levou título continental na temporada passada, prevaleceu a postura fulminante dos belgas para retornar às oitavas apenas dois anos depois.

A fase extra dos mata-matas da Champions League significa mais times vivos na metade decisiva da competição, mas não quer dizer que todos os favoritos presentes nesta etapa inicial estejam bem. Foi a brecha que se notou nesta semana. Se pegar um Real Madrid ou um Paris Saint-Germain tão cedo se tornou um pesadelo, a maior parte dos embates se mostrou aberta – até porque a maioria dos times verdadeiramente embalados na temporada avançou direto às oitavas.

Despontaram, então, boas histórias. O PSV era quem parecia realmente com mais chances, até por ter avançado numa posição melhor que a Juventus, o que garantiu a possibilidade de decidir em Eindhoven. O jogo de volta se tornou um baile dos neerlandeses, em que a prorrogação até adiou uma superioridade que poderia ter se consumado com classificação logo no segundo tempo. O time de Peter Bosz, que conquistou a Eredivisie passada com muitas sobras e de novo vinha forte até a queda de produção recente na liga nacional, não teve problemas para se impor com uma Juve oscilante demais com Thiago Motta.

E a abertura a outras histórias na Champions também garante espaço a personagens distintos. Alguns até conhecidos, porém esquecidos, como Ivan Perisic. Astro de Copa do Mundo e de tantos feitos na carreira, o ponta parecia cair no ostracismo, mas transformou em seu um jogo grande de Champions. Foi um verdadeiro tormento pelo lado direito do ataque, com o primeiro gol e a jogada para o segundo. Personagem de outrora para reforçar o prestígio internacional do PSV, que não andava tanto em voga.

O Feyenoord, por sua vez, lida com a crise de uma temporada em que perdeu seu treinador e não acertou em seu substituto. O desempenho na Eredivisie passa longe de satisfazer, o que levou à demissão de Brian Priske. A Champions, todavia, apresentou o melhor do Stadionclub. A fase de liga teve um empate apoteótico contra o Manchester City, uma vitória irrepreensível diante do Bayern de Munique. O Milan nem metia tanto medo assim e, depois da vitória em Roterdã, o empate em Milão caiu no colo dos neerlandeses. Independentemente de contarem com um técnico interino, à espera da chegada do ídolo Robin van Persie à casamata, os visitantes triunfaram.

“Caiu no colo” porque o Milan vacilou enormemente, tanto pela expulsão infantil de Theo Hernández, quanto pela maneira como o time entregou os pontos com dez homens. O Feyenoord pode não viver sua melhor fase, mas tem bons jogadores e tinha mostrado que sabe como aproveitar as frestas em outros momentos dessa Champions. Foi o que aconteceu no San Siro, num jogo difícil que ficou na mão dos neerlandeses. Buscaram o empate, administraram a vantagem agregada e poderiam até ter saído com a vitória no final.

Diferentemente de Juventus e Milan, que fazem uma temporada de altos e baixos, a Atalanta apresenta uma estabilidade maior – apesar de tropeços recentes. A Dea beirou até mesmo a vaga direta às oitavas, enquanto o Club Brugge passou na conta do chá. O campo, entretanto, falou outra coisa. É verdade que o pênalti muito questionável do jogo de ida condicionou a situação a favor dos belgas. Mesmo assim, a forma como construíram os 3 a 1 em Bérgamo foi inquestionável. Apresentaram-se de forma fulminante no ataque, e seguraram a bronca na defesa, com direito a pênalti defendido por Simon Mignolet.

Os méritos desse Club Brugge, de qualquer maneira, estão nos garotos. É um time muito talentoso, que se valeu bastante da qualidade de seus jovens. Chemsdine Talbi foi o principal jogador do confronto, com uma série de grandes jogadas pela ponta direita. Estava imparável em Bérgamo. Mais atrás, Ardon Jashari dominou o meio-campo e apareceu com competência no apoio. Um pouco mais velho, Ferran Jutglà foi um achado no mercado ao chegar do Barça B há três anos e, assim como nos outros sucessos continentais recentes dos belgas, cravou gol decisivo.

O atual estágio de concentração de poder no futebol europeu não permite que os sonhos de PSV, Feyenoord e Club Brugge se estendam muito além das oitavas de final, no máximo até as quartas. A diferença financeira estrangula as surpresas o quanto antes. A ampliação dos mata-matas, ao menos, concede um palco a mais para que euforias há tempos ausentes voltem a aparecer. Mesmo que talvez seja só um ponto fora da curva. Mesmo que isso incomode o “superleaguers”, e quem sabe quando pressionarão para que tal abertura deixe de existir no futuro.

Leandro Stein
Leandro Stein
É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Foi redator, editor e sócio da Trivela de 2010 a 2023.

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