Você sabe por que os jogos da última rodada da fase de grupos são disputados ao mesmo tempo? Talvez isso pareça óbvio hoje, mas assim como onde tem placa, tem uma história, neste caso, onde há uma regra, tem uma história também. A Copa do Mundo de 1982 na Espanha teve a primeira vitória de uma equipe africana sobre uma europeia na história da competição. E não foi uma vitória qualquer: a Argélia, estreante em Copas, bateu a bicampeã mundial Alemanha Ocidental por 2 a 1 em Gijón, no Estádio El Molinón. Aquela vitória seria fundamental para a sequência de acontecimentos que levou a Alemanha Ocidental e Áustria chegarem à última rodada sabendo exatamente o que precisavam fazer para ambas se classificarem e deixarem a Argélia de fora da competição, fazendo o que ficou conhecido como “o jogo da vergonha”. Alemanha Ocidental, Áustria, Argélia e Chile compunham o grupo 2 do Mundial da Espanha. A vitória dos africanos sobre os alemães colocou os argelinos em vantagem na classificação. A Áustria também começou vencendo o Chile por 1 a 0. A Alemanha Ocidental então goleou o Chile por 4 a 1 na segunda rodada, enquanto a Áustria bateu a Argélia por 2 a 0. A Áustria estava em primeira na classificação, com quatro pontos e Argélia e Alemanha Ocidental tinham dois. Na última rodada, iniciada no dia 24 de junho, a Argélia bateu o Chile por 3 a 2, chegando aos mesmo quatro pontos austríacos. Para a classificação dos africanos, bastava que a Alemanha Ocidental não vencesse – o que classificaria Argélia e Áustria - , ou que vencesse por pelo menos três gols de diferença – levando os austríacos a saldo zero e fazendo os argelinos passarem de fase pelos gols marcados. O jogo gerava muita expectativa dos torcedores, uma vez que as duas seleções se enfrentaram na segunda fase da Copa do Mundo de 1978, na Argentina, e fizeram um jogo emocionante. Os austríacos conseguiram uma vitória por 3 a 2, que tirou dos alemães a chance de se classificar para a próxima fase da competição. A rivalidade entre as duas seleções estava alta e cinco jogadores da Áustria que estiveram em campo quatro anos antes estavam novamente em 1982. Pelo lado alemão, quatro jogadores que disputaram a partida de 1978 estiveram em campo na Espanha. Esperava-se um jogo disputado, a revanche dos alemães sobre os austríacos – quem sabe até eliminando os rivais. Estavam presentes naquela partida grandes jogadores do futebol alemão, como o goleiro Harold Schumacher, o lateral Paul Breitner, o atacante Horst Hrubesch, o meia Karl-Heinz Rummenigge, o então novato meio-campista Lothar Matthaus, que entrou no segundo tempo, e até o meio-campista Felix Magath, que além de ter sido um grande jogador, se tornou um treinador com fama de ser muito rigoroso com seus jogadores. O que se viu em campo foi uma Alemanha que precisava de uma vitória simples para se classificar e uma Áustria que poderia perder e ainda se classificar. O dia 25 de junho de 1982, no estádio El Molinón, em Gijón, viu um jogo em que as duas seleções entraram em campo dispostas a fazer um placar bom para os dois. E o jogo começou parecendo que seria bem diferente do que foi. A Alemanha Ocidental massacrou nos primeiros minutos, como um Blitzkrieg. Aos dez minutos de jogo, Horst Hrubesch marcou o gol da Alemanha Ocidental, que contentava todos em campo. O que se viu nos minutos restantes foi um jogo sem jogadores. Ninguém queria nada com a partida, apenas que ela acabasse. Os dois países, de idioma alemão, não se dispuseram a ir além daquele placar. Um ou outro lance mais agudo, mas nenhum dos dois times corria disposto a marcar mais gols. A Alemanha Ocidental chegou a criar duas oportunidades, mas que levaram pouco perigo. O placar de 2 a 0 ainda seria confortável para as duas equipes. Com o passar do tempo, o jogo foi perdendo velocidade e intensidade. Os dois times tocavam a bola inofensivamente na defesa. Quem estava com a bola não recebia nenhuma pressão do adversário, nem tentava avançar. A torcida presente no estádio começou a ficar revoltada com a falta de vontade de jogar dos dois times. Gritos de “Fuera, Fuera” começaram a ecoar no El Molinón. A torcida espanhola vaiava os dois times, mas não eram apenas os espanhóis que estavam insatisfeitos. Um torcedor alemão, inconformado com a postura da seleção do seu país, queimou a bandeira do país em protesto. Torcedores espanhóis passaram a gritar “Argélia, Argélia”, enquanto torcedores argelinos, revoltados, mostravam dinheiro em protesto. Em sua primeira Copa, a Argélia poderia ter chegado à segunda fase. Quando o juiz apitou o final do jogo, austríacos e alemães comemoravam o resultado em campo, mas pareciam os únicos satisfeitos com o placar no estádio. Os argelinos entraram com um protesto na Fifa contra o comportamento dos dois times em campo, mas a entidade manteve o resultado do campo. Porém, esse jogo marcou uma mudança na Copa do Mundo que permanece até hoje. Foi o jogo entre Alemanha e Áustria que fez com os jogos da rodada final da Copa do Mundo passassem a ser disputados simultaneamente para evitar que um time jogue sabendo o resultado que precisa ou que fiquem confortáveis em um placar, como foi esse caso. O episódio ficou conhecido como Schande von Gijón (“Vergonha de Gijón”) e marcou a história das Copas do Mundo.