Durante aproximadamente 15 minutos na última quarta-feira, parecia inevitável que o Arsenal entrasse em um relacionamento sério com a crise. Estava perdendo do Tottenham, e esta é uma temporada em que perder do Tottenham é muito mais difícil do que não perder do Tottenham, logo depois de ser eliminado da Copa da Inglaterra e de sair atrás do Newcastle na semifinal da Copa da Liga Inglesa. O volume das críticas estouraria a caixa de som.
O Arsenal no primeiro patamar do futebol inglês é um fenômeno relativamente recente. Pode parecer uma piada ou uma cutucada, mas é apenas um reconhecimento de como o tempo funciona: o último título foi há 20 anos.
Depois da final europeia de Paris em 2006, sua marca foi se esforçar bastante para se classificar à Champions League e continuar pagando seu novo estádio. Quando saldou a dívida, descobrimos que Arsène Wenger não conseguia mais montar um time que fosse além de espasmos episódicos de brilhantismo e houve mais um tempinho de espera até que ele chegasse à mesma conclusão e saísse para fazer o que quer que seja que ele faz na Fifa.
Desde o gol de Belletti no Parque dos Príncipes, teve um ano em que ficou em terceiro a quatro pontos do campeão Manchester United e seu único vice-campeonato foi tomado do Tottenham apenas na última rodada, a milhas de distância do Leicester.
Nunca sustentou excelência, nunca pareceu que estava prestes a estourar, e seus fracassos carregaram um elemento de tragédia – como, por exemplo, perder uma final europeia com um gol de Belletti – que, dependendo da sua afiliação, gerava divertimento ou desespero.
Durante todo esse período, a dúvida era se o Arsenal um dia conseguiria montar um time no nível dos Invencíveis, o esquadrão liderado por Thierry Henry e Patrick Vieira que conseguiu o único título invicto do futebol inglês desde o Preston North End em 1889. Se você estava nessa expectativa, eu tenho uma ótima notícia: ele já conseguiu.
Em 2023/24, o Arsenal somou 89 pontos, apenas um a menos que 20 anos atrás, e ganhou mais partidas pela liga inglesa: 28 versus 26. Um total de vitórias, em toda a história dos Gunners, inferior apenas ao de 1970/71, a temporada em que conquistaram a Dobradinha doméstica.
Como um fenômeno relativamente recente, às vezes precisamos brigar contra a memória muscular de aplicar os mesmos diagnósticos e comentários de quando o Arsenal parecia um time mole e que fraquejava nas grandes partidas, às vezes brilhante tecnicamente, mas sem a competitividade necessária para ser campeão – ainda que de vez quando isso reapareça – somente porque a ascensão dos últimos dois anos não gerou um copo de prata para Martin Odegaard levantar.
Abre parênteses. A Copa da Inglaterra conquistada por Mikel Arteta em sua primeira temporada foi fruto mais do tudo pode acontecer em um mata-mata do que a coroação de um processo que, naquele momento, ainda estava no começo. Fecha parênteses.
Foi dura a caminhada para o Arsenal se colocar nesta posição. O momento imediatamente depois da saída de Wenger foi pior que seus últimos anos. Entre as reformulações que precisou fazer em seu elenco, arriscadas trocas de nomes famosos e acomodados por jovens com potencial e esfomeados, e a aposta em um técnico sem experiência prévia, o índice de acerto foi altíssimo.
O que impediu que esse processo culminasse na geração de um copo de prata para Martin Odegaard levantar não foram falhas do Arsenal, mas a presença de uma aberração histórica que elevou o sarrafo. O Liverpool lamenta que poderia ter conquistado mais dois títulos se não fosse o Manchester City de Pep Guardiola. O Arsenal teria levado pelo menos um. Aqueles 89 pontos seriam suficientes em 20 das 31 temporadas completas da Premier League.
E aí é simplesmente um baita de um azar que, justamente quando o castelo de cartas do City desabou, o Arsenal esteja com um departamento médico tão lotado e precise lidar com outro time aparentemente capaz de encaixar uma campanha de mais de 90 pontos. Ainda assim, está conseguindo acompanhá-lo. A diferença é de quatro pontos. O jogo a menos do Liverpool é um clássico. Faltam 17 rodadas. Há um confronto direto. A briga está longe de terminar.
O que não significa que o Arsenal é um time perfeito. Ainda tem certas dificuldades para arrancar os três pontos quando não joga muito melhor que seus adversários, em parte porque talvez tenha de fato havido negligência para ocupar o cargo de artilheiro com um profissional. Ele nem sempre é necessário. O melhor Liverpool teve Roberto Firmino com a camisa 9, e o Manchester City não tinha um antes de Erling Haaland, mas havia muitos gols nos arredores.
O Arsenal, de maneira consciente ou não, tenta replicar a fórmula. O maior investimento para a posição é um centroavante notório por fazer tudo muito bem, menos essa parte – e até que Gabriel Jesus estava embalando antes de se machucar novamente. Parece um desperdício pagar € 75 milhões em Kai Havertz apenas para tê-lo como bode expiatório quando ele não consegue ser o jogador que não é. Raheem Sterling é o 20º maior artilheiro da história da Premier League e seria ótimo como essa fonte periférica de gols se não tivesse chegado naquela fase da carreira em que uma transferência para o West Ham é iminente.
Existem níveis de formação de time: competente, bom, ótimo, histórico. Cada degrau é mais difícil de subir do que o anterior e, na maior parte do tempo, não foi necessário estar exatamente no topo para conquistar os principais títulos. O Arsenal está próximo. Talvez a última peça do quebra-cabeça seja um centroavante. Talvez não. Mas não é a hora de desanimar, mesmo que esta acabe sendo mais uma temporada em branco.
É a hora de canalizar tudo que for possível para dar esse último passo.