quinta-feira, março 13, 2025

A diferença entre o bom e o ótimo, o ótimo e o histórico

Durante aproximadamente 15 minutos na última quarta-feira, parecia inevitável que o Arsenal entrasse em um relacionamento sério com a crise. Estava perdendo do Tottenham, e esta é uma temporada em que perder do Tottenham é muito mais difícil do que não perder do Tottenham, logo depois de ser eliminado da Copa da Inglaterra e de sair atrás do Newcastle na semifinal da Copa da Liga Inglesa. O volume das críticas estouraria a caixa de som.

O Arsenal no primeiro patamar do futebol inglês é um fenômeno relativamente recente. Pode parecer uma piada ou uma cutucada, mas é apenas um reconhecimento de como o tempo funciona: o último título foi há 20 anos.

Depois da final europeia de Paris em 2006, sua marca foi se esforçar bastante para se classificar à Champions League e continuar pagando seu novo estádio. Quando saldou a dívida, descobrimos que Arsène Wenger não conseguia mais montar um time que fosse além de espasmos episódicos de brilhantismo e houve mais um tempinho de espera até que ele chegasse à mesma conclusão e saísse para fazer o que quer que seja que ele faz na Fifa.

Desde o gol de Belletti no Parque dos Príncipes, teve um ano em que ficou em terceiro a quatro pontos do campeão Manchester United e seu único vice-campeonato foi tomado do Tottenham apenas na última rodada, a milhas de distância do Leicester.

Nunca sustentou excelência, nunca pareceu que estava prestes a estourar, e seus fracassos carregaram um elemento de tragédia – como, por exemplo, perder uma final europeia com um gol de Belletti – que, dependendo da sua afiliação, gerava divertimento ou desespero.

Durante todo esse período, a dúvida era se o Arsenal um dia conseguiria montar um time no nível dos Invencíveis, o esquadrão liderado por Thierry Henry e Patrick Vieira que conseguiu o único título invicto do futebol inglês desde o Preston North End em 1889. Se você estava nessa expectativa, eu tenho uma ótima notícia: ele já conseguiu.

Em 2023/24, o Arsenal somou 89 pontos, apenas um a menos que 20 anos atrás, e ganhou mais partidas pela liga inglesa: 28 versus 26. Um total de vitórias, em toda a história dos Gunners, inferior apenas ao de 1970/71, a temporada em que conquistaram a Dobradinha doméstica.

Como um fenômeno relativamente recente, às vezes precisamos brigar contra a memória muscular de aplicar os mesmos diagnósticos e comentários de quando o Arsenal parecia um time mole e que fraquejava nas grandes partidas, às vezes brilhante tecnicamente, mas sem a competitividade necessária para ser campeão – ainda que de vez quando isso reapareça – somente porque a ascensão dos últimos dois anos não gerou um copo de prata para Martin Odegaard levantar.

Abre parênteses. A Copa da Inglaterra conquistada por Mikel Arteta em sua primeira temporada foi fruto mais do tudo pode acontecer em um mata-mata do que a coroação de um processo que, naquele momento, ainda estava no começo. Fecha parênteses.

Foi dura a caminhada para o Arsenal se colocar nesta posição. O momento imediatamente depois da saída de Wenger foi pior que seus últimos anos. Entre as reformulações que precisou fazer em seu elenco, arriscadas trocas de nomes famosos e acomodados por jovens com potencial e esfomeados, e a aposta em um técnico sem experiência prévia, o índice de acerto foi altíssimo.

O que impediu que esse processo culminasse na geração de um copo de prata para Martin Odegaard levantar não foram falhas do Arsenal, mas a presença de uma aberração histórica que elevou o sarrafo. O Liverpool lamenta que poderia ter conquistado mais dois títulos se não fosse o Manchester City de Pep Guardiola. O Arsenal teria levado pelo menos um. Aqueles 89 pontos seriam suficientes em 20 das 31 temporadas completas da Premier League.

E aí é simplesmente um baita de um azar que, justamente quando o castelo de cartas do City desabou, o Arsenal esteja com um departamento médico tão lotado e precise lidar com outro time aparentemente capaz de encaixar uma campanha de mais de 90 pontos. Ainda assim, está conseguindo acompanhá-lo. A diferença é de quatro pontos. O jogo a menos do Liverpool é um clássico. Faltam 17 rodadas. Há um confronto direto. A briga está longe de terminar.

O que não significa que o Arsenal é um time perfeito. Ainda tem certas dificuldades para arrancar os três pontos quando não joga muito melhor que seus adversários, em parte porque talvez tenha de fato havido negligência para ocupar o cargo de artilheiro com um profissional. Ele nem sempre é necessário. O melhor Liverpool teve Roberto Firmino com a camisa 9, e o Manchester City não tinha um antes de Erling Haaland, mas havia muitos gols nos arredores.

O Arsenal, de maneira consciente ou não, tenta replicar a fórmula. O maior investimento para a posição é um centroavante notório por fazer tudo muito bem, menos essa parte – e até que Gabriel Jesus estava embalando antes de se machucar novamente. Parece um desperdício pagar € 75 milhões em Kai Havertz apenas para tê-lo como bode expiatório quando ele não consegue ser o jogador que não é. Raheem Sterling é o 20º maior artilheiro da história da Premier League e seria ótimo como essa fonte periférica de gols se não tivesse chegado naquela fase da carreira em que uma transferência para o West Ham é iminente.

Existem níveis de formação de time: competente, bom, ótimo, histórico. Cada degrau é mais difícil de subir do que o anterior e, na maior parte do tempo, não foi necessário estar exatamente no topo para conquistar os principais títulos. O Arsenal está próximo. Talvez a última peça do quebra-cabeça seja um centroavante. Talvez não. Mas não é a hora de desanimar, mesmo que esta acabe sendo mais uma temporada em branco.

É a hora de canalizar tudo que for possível para dar esse último passo.

Bruno Bonsanti
Bruno Bonsanti
Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

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