segunda-feira, março 10, 2025

E aí, foi bom para você?

Acabei adotando uma postura mais combativa do que queria em relação ao novo formato da Champions League, um pouquinho estupefato que ele teve seu sucesso decretado mais ou menos na segunda rodada, mas minha opinião, na verdade, é uma raridade nesta época de contundência algoritmizada: eu ainda não sei se ele é bom ou ruim.

O que eu sei, porém, é que a mudança adicionou quatro novas datas a um calendário que já estava espremendo os jogadores além do que é razoável e efetivamente quebrou o último vencedor da Bola de Ouro. Diante disso, as sempre sensíveis entidades administrativas do futebol decidiram que é o momento certo para aumentar as competições que elas dirigem. A Copa do Mundo foi ampliada, agora há um novo Mundial de Clubes para extinguir de vez as férias e até a Liga das Nações ficou maior. A Champions League faz parte dessa tendência contra-intuitiva.

Então, a pergunta à qual eu quero a resposta para apoiar a nova Champions League não é apenas se ela é mais legal que a anterior, o que para mim ainda é incerto, mas se ela é mais legal o bastante para justificar a ampliação do calendário.

Nunca tivemos um campeonato de futebol relevante com esse formato. Não temos parâmetros ou históricos. E a fase de grupos tinha problemas. Havia ficado excessivamente previsível e hierarquizada. Aquele filme da Netflix em que alguns detalhes até são diferentes, mas você tem a sensação de que já o viu um zilhão de vezes. Uma mudança seria bem-vinda, mas será que a Uefa escolheu o melhor caminho?

Esse formato foi uma resposta aos anseios por uma Superliga, um meio-termo oferecido pela Uefa para os grandes clubes ficarem de boa por mais alguns aninhos – e inclusive funcionou perfeitamente porque os tais grandes clubes anunciaram a criação da Superliga quase imediatamente antes de ele entrar em vigor.

O principal atrativo para o público foi multiplicar a quantidade de jogos entre esses grandes, e como alguém que não aguenta mais abrir o Sofascore durante a Data Fifa e descobrir que a Espanha jogará contra a Croácia, afirmo que esse atrativo pode de repente ficar menos atraente.

Mas, enfim: isso aconteceu? Pior que não.

Para este exercício, usei os integrantes da Superliga (Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Tottenham, Atlético de Madrid, Barcelona, Real Madrid, Internazionale, Juventus e Milan), além de Borussia Dortmund, Bayern de Munique e Paris Saint-Germain. E se você olhar a tabela abaixo, houve 13 confrontos entre eles na fase da liga, mais do que na fase de grupos de duas das últimas cinco edições, aproximadamente igual a outras duas e menos do que em 2021/22.

Provavelmente dá para chegar a outra resposta se mudarmos o conceito para incluir RB Leipzig, Atalanta ou Bayer Leverkusen, mas não seria necessariamente a favor da fase da liga porque esses clubes também disputaram algumas das Champions anteriores. E o quarto representante inglês foi o Aston Villa, que enfrentou Bayern e Juventus, como na temporada passada foi o Newcastle, que jogou contra Dortmund, PSG e Milan. Mas dá para projetar que a Premier League provavelmente enviará os seus Superleaguers com regularidade, ainda mais quando receber a quinta vaga destinada às ligas com melhor coeficiente.

A tendência é que a quantidade de confrontos entre os grandes fique constantemente alta e não dependa do sorteio. E, sem jogos de ida e volta, a variedade é realmente maior.

No entanto, o que eles significam? Na fase de grupos, quando duas camisas pesadas estavam sozinhas em um grupo, geralmente os confrontos diretos não tinham um peso maior do que definir o primeiro colocado. Mas às vezes tinham, como quando o Manchester United se complicava com o Galatasaray e precisava buscar pontos em Munique. Quando dávamos a sorte de ter três no mesmo grupo, cada jogo era essencial para as vagas às oitavas de final.

O Liverpool abriu a Champions League contra o Milan. Ganhou por 3 a 1. Se não tivesse ganhado, ainda teria passado entre os oito primeiros. O Milan se classificou mesmo assim aos playoffs. Se tivesse vencido, passaria diretamente às oitavas. Se tivesse empatado, talvez. Mas apenas agora isso está claro. Na época, a partida apenas aconteceu e, independente do resultado, ainda havia muito tempo para um lado se recuperar ou para o outro perder fôlego.

Foi difícil nas primeiras rodadas entender o que cada jogo significava e provavelmente melhoraremos nisso à medida em que pegarmos mais prática com o formato. No entanto, não é que eles foram ruins (também não foram necessariamente melhores que na fase de grupos), mas pareceu haver menos senso de urgência.

Porque todo mundo se classifica. Todo. Mundo.

A Uefa escreveu um texto defendendo o novo formato antes do começo da oitava rodada. O que é normal: a ideia foi dela. Só faltava chegar agora e falar “putz, caguei”. Mas em um dos trechos diz que não se pode duvidar do “incentivo de lutar até o fim, com os clubes que terminam entre os oito primeiros evitando o risco do mata-mata dos playoffs”.

Realmente: há um incentivo. Melhor passar diretamente às oitavas de final, até pela folga no calendário, e, sim, melhor evitar um mata-mata a mais, mas não é uma questão de vida ou morte.

Pep Guardiola não está neste momento pensando em disputar a Liga Europa – ou, pelo que o City tem jogado, nem isso. Está pensando que, apesar de tudo, se acertar o time a tempo, ainda tem uma chance de ser campeão. O mesmo vale para Carlo Ancelotti, Vincent Kompany, Sérgio Conceição, Luis Enrique e Thiago Motta e para quem quer que seja o técnico do Borussia Dortmund, acho que é o Niko Kovac.

Porque, do ponto de vista da aritmética, é impossível que todos os clubes que querem terminar entre os oito primeiros terminem entre os oito primeiros. Em algumas temporadas simplesmente não vai dar e não quer dizer que eles fizeram uma campanha ruim. Passar pelos playoffs será parte da vida, de vez em quando vai acontecer. O importante mesmo é ainda estar na Champions League.

E sinceramente, para esses clubes, e todos que entram na competição pensando em ser campeão, existe uma diferença prática entre ser eliminado nos 16 avos de final ou nas oitavas? Seria uma campanha decepcionante de qualquer maneira.

Isso atinge outro dos principais argumentos da Uefa para comemorar o sucesso do novo formato: a imprevisibilidade. “Quem poderia pensar que, faltando um jogo da fase da liga, o campeão de 2023, Manchester City, precisaria de uma vitória em casa contra o Club Brugge apenas para se espremer entre os 24 primeiros?”, escreveu.

Primeiro: eles falam isso como se a dificuldade do Manchester City para se classificar emanasse do formato e não de uma temporada em que conseguiu ser goleado pelo Tottenham. Se o City é capaz de perder para o Bournemouth e perder para o Sporting e empatar com o Feyenoord e empatar com o Crystal Palace e empatar com o Everton (!), e se não fosse capaz de ganhar do Club Brugge em casa, ele poderia ser eliminado em qualquer formato.

E a imprevisibilidade existe apenas se você se importar bastante com quem terminará em 13º ou 18º colocado, ou com o ranqueamento do chaveamento, ou com quem terá o direito de decidir o mata-mata em casa, ou, claro, com quem passará diretamente às oitavas de final, o principal prêmio da lista. São todas coisas que existem e podem ou não ser importantes, mas não são uma questão de vida ou morte.

Porque, e não posso enfatizar isso o bastante, todo mundo se classifica. Todo. Mundo.

O único jogo com caráter realmente decisivo entre os grandes que nós tivemos foi Paris Saint-Germain x Manchester City e, mesmo assim, os dois acabaram passando depois de superarem desafios meramente razoáveis na última rodada. O RB Leipzig precisou de uma campanha estratosfericamente ruim para ficar fora.

Quando você cria um campeonato que classifica 24 dos 36 participantes, realmente, precisa conjurar incentivos para mantê-lo interessante, e aí depende do quanto quem acompanha quer se importar com eles. Eu prefiro quando os prêmios eram apenas estar na Champions League ou não estar na Champions League. Como tem gente que adora o caos de uma tabela em constante mutação, enquanto eu não sou tão fã assim, mas tudo bem, até aí é uma questão de gosto.

Nessa linha, não tenho receio de admitir que algumas coisas não servem para mim e podem servir para os outros e que eu talvez não seja o público alvo para um torneio que parece bastante adequado às redes sociais porque elas não costumam se importar se a imprevisibilidade é um pouco artificial ou se os jogos entre os grandes talvez não tenham tanto peso: o engajamento é o mesmo quando você tuíta “UAU A FASE DA LIGA FOI UMA LOUCURA 😍💪👊🔥🔥🔥”.

Há uma parte do texto da Uefa com a qual eu concordo 100%. É legal que haja confrontos entre times do mesmo pote para evitar, por exemplo, que o Viktoria Plzen passe uma Champions League inteira sendo saco de pancadas de Bayern de Munique, Internazionale e Barcelona. Mesmo os times mais fracos terão pelo menos alguns jogos em que, em teoria, poderão competir de igual para igual.

O Brest conseguiu até mais do que isso e foi uma história bacana dessa fase da liga. Não exclusividade dela porque já houve surpresas parecidas na fase de grupos, e no fim das contas eles não ficaram nem entre os 16 primeiros, então apenas avançaram porque a quantidade de classificados foi ampliada. Enfim, legal mesmo assim.

Mas um problema que a fase da liga não conseguiu resolver, com as evidências que temos até agora, é a hegemonia das cinco grandes ligas. Dezoito dos 24 classificados são de Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França. Portugal (2), Holanda (2), Escócia (1) e Bélgica (1) completam.

E provavelmente não resolverá porque esse nunca foi seu propósito. Pelo contrário, como uma resposta à Superliga, a fase da liga foi concebida para dar estabilidade a esses clubes que têm tanto dinheiro, gastam mal o dinheiro que têm e ficam enchendo o saco para tentar ganhar mais dinheiro em vez de só não pagar 100 milhões de euros pelo Antony.

Não seria justo colocar em um formato de competição o fardo de resolver desigualdades profundas, cada vez maiores e de longa data. Temos que avaliá-lo dentro da realidade do futebol de hoje em dia, e, depois da primeira edição, eu sigo em busca de respostas. Melhorou? Melhorou o bastante para justificar o aumento do calendário?

Não gostei dos primeiros sinais, mas eu tenho paciência. Ainda não dá para saber. Provavelmente levará algum tempo. Imagina que horror, esperar algum tempo, mais de duas rodadas, talvez anos, antes de ter uma opinião contundente?

Bruno Bonsanti
Bruno Bonsanti
Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de ser redator, editor e sócio na Trivela. Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.

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