A Superliga se dissolveu em 48 horas com a mesma impetuosidade com que surgiu na noite de domingo, 18 de abril de 2021. O plano de destruir o ecossistema do futebol europeu, baseado em ligas nacionais e classificações às competições europeias, para favorecer uma dúzia de clubes que se consideram superiores ao restante não se sustentou diante da pressão de todos os setores do futebol: da imprensa às salas de dirigentes, de ex-ídolos a jogadores em atividade, de treinadores e políticos de vários espectros ideológicos. O recuo, anunciado na noite da terça-feira, 20 de abril, começou com os seis clubes ingleses que estavam envolvidos na criação da Superliga. No dia seguinte, os três italianos sinalizaram a mesma coisa, junto com o Atlético de Madrid. Restaram Barcelona e Real Madrid, que continuam até hoje em dia brigando nas cortes europeias para tirá-la do papel. Um novo projeto foi apresentada em novembro. Um rebranding total. A começar pelo nome – “Liga da Unificação” – horrível, mas menos pomposo. Abandonou a ideia de ter participantes fixos e quer adotar um sistema de classificação baseado nas ligas domésticas. Foi mais uma proposta, um começo de conversa, do que uma ruptura. Eles parecem ter aprendido com os erros de quatro anos atrás, quando a iniciativa de Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Milan, Internazionale, Juventus, Manchester United, Liverpool, Manchester City, Chelsea, Arsenal e Tottenham pareceu tão boa que acabou derrotada em dois dias.
Esta é a história de como isso aconteceu.
Domingo 18/04/2021: A Traição de Agnelli

Aleksander Ceferin, presidente da Uefa, havia enviado um comunicado à imprensa na sexta-feira, 16 de abril de 2021, informando que, na segunda-feira seguinte, o novo formato da Champions League seria anunciado. Ele atenderia algumas demandas de superclubes, pela falta de uma definição concisa melhor. Uma primeira fase maior, potencialmente com mais jogos entre eles, e, principalmente, duas vagas por coeficiente histórico. Uma rede de proteção para garantir que uma temporada acidentada não os impedisse de beber da grande fonte de dinheiro do futebol europeu.
Entre as negociações, uma nuvem sombria sempre pairou sobre a Uefa: que esses superclubes rachariam com a entidade e formariam uma nova competição paralela, na qual poderiam controlar todo o dinheiro e quem teria acesso a ele. A Superliga não nasceu naquele domingo. Ainda não havia tomado forma concreta, mas existia como ameaça, um espectro de elitismo, uma espécie de bicho-papão: faça o que os superclubes querem senão a Superliga vai te pegar.
No sábado, quando cresceram os rumores de que a Superliga poderia mesmo acontecer, Ceferin ligou para o amigo Andrea Agnelli. Não parecia uma fonte ruim. O então presidente da Juventus e da Associação dos Clubes Europeus, órgão que representa 246 clubes nas conversas com a Uefa, saberia o que estava acontecendo – essa parte ele acertou. Além disso, Agnelli havia convidado Ceferin para ser padrinho da sua filha. Ele não mentiria para o padrinho da sua filha – essa parte ele errou. Conversaram no sábado à tarde. Agnelli tranquilizou-o dizendo que eram apenas especulações, que estava tudo certo e que falariam novamente em uma hora. E desligou o seu telefone.
Naquele momento o plano de implodir o futebol europeu como o conhecemos para favorecer um punhado de clubes de apenas três países e sete cidades já estava em andamento. Segundo o Marca, Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, realizou uma reunião na capital espanhola semana passada com o CEO do Atlético de Madrid, Miguel Ángel Gil, um representante do Tottenham e um sócio do fundo de investimentos que apoiaria o projeto. Ali, deixou claro que estava determinado a proceder de qualquer maneira e que o anúncio teria que ser feito antes que a Uefa oficializasse o novo formato da Champions League.
A reportagem do Marca diz que o dirigente do Atlético de Madrid estava indeciso, mas foi convencido diante do ultimato de que o terceiro representante da Espanha seria o clube dele ou o Sevilla. Também de acordo com o jornal, houve uma reunião entre Pérez e Joan Laporta, que havia acabado de ser eleito presidente do Barcelona. Laporta substituiu Josep Maria Bartomeu, que renunciou anunciando ao mundo que havia aceitado fazer parte da Superliga. Pérez queria saber se o seu sucessor manteria a promessa. A resposta: sim. O Barça sofre com sérios problemas econômicos e a Superliga parecia a solução para todos eles.
Na Inglaterra, os donos de Manchester United e Liverpool, arquitetos do Projeto Big Picture, uma outra tentativa vergonhosa de atacar as estruturas do futebol inglês em busca de mais dinheiro e poder, não precisavam ser convencidos. Ferran Soriano, do Manchester City, segundo o The Athletic, topou entrar na jogada na sexta-feira. O Arsenal estava com medo de ser deixado para trás e seguiu a boiada. Daniel Levy, manda-chuva do Tottenham, sempre teve como objetivo fixar o seu clube entre a elite do futebol europeu e uma vaga vitalícia em uma competição que se venderia como a nata da nata do continente era atraente demais para ser recusada.
O Arsenal não queria ser abandonado. Esse foi um sentimento comum. Mesmo se houvesse receios em relação à fragilidade do projeto, e se desse certo? E se eu tivesse a chance de levar meu clube a outro patamar e a deixasse passar? O medo raramente leva a boas decisões. O Chelsea foi o último a chegar, como indicou o próprio comunicado que emitiu dias depois, quando foi o primeiro a sair. Milan e Internazionale também estavam a bordo, assim como a Juventus de Andrea Agnelli, vencedor por unanimidade do prêmio de Pior Amigo do Ano de 2021.
Havia dois grandes buracos na lista de participantes. Um tinha o tamanho do Bayern de Munique, que chegou a gostar da ideia no passado, mas havia mudado de postura, após os vazamentos do Football Leaks pela revista Der Spiegel, e não cedeu às pressões. Segundo o The Athletic, os 12 clubes participantes passaram o fim de semana inteiro tentando preencher o outro. Buscaram convencer o presidente do Paris Saint-Germain, Nasser Al-Khelaifi, sem sucesso. Al-Khelaifi também se converteu em crítico e, como ficará claro nos capítulos seguintes, viu uma oportunidade única para aumentar o seu poder de bastidores.
Mesmo sem os principais clubes de dois dos cinco maiores mercados da Europa, mesmo sem detalhes sobre os pagamentos de solidariedade que seriam a principal arma contra as críticas de elitismo, mesmo sem detalhes sobre os critérios de classificação dos cinco participantes rotativos, a principal arma contra as críticas de que seria um campeonato fechado, os 12 da Superliga prepararam um anúncio coletivo para a noite de domingo.
Ninguém abaixo da mais alta cúpula dos clubes sabia. Provavelmente para evitar que vazasse, o que foi realmente inteligente porque vazou mesmo assim e deixou treinadores como Ole Gunnar Solskjaer em posições delicadas. Durante a tarde de domingo, o inglês The Times alertou o público. Nenhum dirigente deu as caras na imprensa, não houve nenhuma tentativa de preparar o terreno para o anúncio oficial. Acabou sobrando para o então treinador do Manchester United, jogado aos leões após uma vitória sobre o Burnley. Teve que repetir mais de uma vez que não podia comentar, que era um assunto do clube. Que não sabia o bastante. Que não podia comentar e que era um assunto do clube. Onde estava o clube, aliás?
Em resposta às especulações que cresciam exponencialmente nas redes sociais, as entidades que estavam diretamente sob ataque da Superliga emitiram uma nota preventiva. E dura. Liderado pela Uefa, mas com as assinaturas de La Liga, Serie A e Premier League, além das federações de Espanha, Itália e Inglaterra, o comunicado chamou o projeto de “cínico” e prometeu que seria feito todo o possível, nas esferas judiciais e esportivas, para impedir que ele seguisse em frente. Fizeram ameaças de banir os clubes de competições nacionais, continentais e mundiais e proibir os jogadores de defender suas seleções – ou seja, ficar fora da Copa do Mundo. “Apelamos a todos os amantes do futebol, torcedores e políticos que se juntem a nós nesta luta contra esse projeto, se for anunciado. Esse persistente interesse pessoal de alguns acontece há tempos. Basta”, disseram.
A Fifa já havia ameaçado a exclusão dos jogadores de uma eventual Superliga da Copa do Mundo, mas soltou um comunicado muito mais moderado (frouxo) no domingo, no qual expressou “desaprovação” a uma liga “separatista fechada, fora das estruturas do futebol internacional” e que não respeitava princípios de solidariedade e igualdade. Pediu que todas as partes deixassem de lado as discussões acaloradas em prol de um diálogo calmo e construtivo. Pode-se analisar que tentou ser o adulto na sala. Ou que recuou à espera dos desdobramentos. A Premier League reforçou sua oposição, a Associação dos Clubes Europeus bateu forte e entidades de torcedores classificaram o projeto como “ilegítimo, irresponsável e com um modelo anticompetitivo”.
Era de se esperar que um projeto que se pretendia a “salvar o futebol”, que buscava rentabilizar camisas glamorosas como as do Real Madrid e do Manchester United, faria um lançamento com pompa e circunstância em um momento no qual pudesse atrair todos os holofotes. Foi exatamente o contrário. Os 12 clubes fundadores emitiram um comunicado conjunto pouco antes ou pouco depois da meia-noite, dependendo do país em questão. Na calada da noite, como se estivessem torcendo para que ninguém percebesse o que haviam acabado de fazer.
O texto trouxe apenas linhas gerais. Haveria 15 participantes fixos – os 12 fundadores e outros três – e cinco rotativos. Prometeu pagamentos de solidariedade três vezes maior do que os atuais. Os 20 times se dividiram em dois grupos e jogariam entre si, com turno e returno, nos meios de semana, ocupando os horários da Champions League. Haveria uma repescagem, no modelo wild card dos esportes americanos, quartas de final, semifinal e final. Houve uma linha sobre um torneio feminino com os mesmos clubes, ignorando que o Lyon, o time feminino mais forte do mundo, pelo menos por enquanto ainda não estava envolvido.
Ninguém sabia muita coisa. Era madrugada, então também não dava para perguntar. Sabiam apenas que, se aquilo vingasse, o futebol europeu nunca mais seria o mesmo.
Segunda-feira 19/04/2021: O Pérez morre pela boca

Depois de uma boa noite de sono, e passado o choque inicial, as perguntas começavam a se acumular. A mais importante: ok, de onde vem o dinheiro? O anúncio prometia um pagamento inicial de € 3,5 bilhões aos fundadores, suficiente para cobrir parte dos prejuízos causados pela pandemia, por meio de um financiamento do banco de investimentos JP Morgan, e mais € 10 bilhões distribuídos a toda a pirâmide do futebol europeu durante o “compromisso inicial”. Não se sabia a duração do compromisso inicial. Seria € 1 bilhão por ano? € 500 milhões? € 50 milhões?
O empréstimo seria pago com as receitas futuras da Superliga. Quais? Boa pergunta, caro leitor: nenhum contrato de patrocínio ou de direitos de televisão foi anunciado junto com a competição. A credibilidade do projeto residia apenas na palavra dos dirigentes dos clubes fundadores. Era basicamente 12 das 20 pessoas menos confiáveis do mundo dizendo: confia na gente.
Os jogadores e treinadores haviam ficado no escuro durante todo o processo. Não participaram das decisões. Alguns receberam uma carta, como no caso do Liverpool. Outros tiveram o privilégio de uma reunião para esclarecer dúvidas que terminaram sem esclarecimentos. No fundo, os chefes não se preocuparam em inclui-los porque jogadores raramente se rebelam. Esse foi um erro crasso. A proposta, desta vez, era tão destrutiva a todo o ecossistema dentro do qual eles cresceram e se desenvolveram como profissionais que era natural se perguntar exatamente quanto dinheiro seria necessário para valer a pena embarcar naquela loucura.
Havia motivos ideológicos, admiração profissional por feitos como o do Leicester, e também práticos. Naquele momento, estavam em um clube da Superliga, mas todos eles sabem que a realidade do jogador de futebol está a uma lesão ou má fase de mudar drasticamente. E se em um ou dois anos fossem negociados com, por exemplo, o Everton ou o Leicester ou o West Ham ou o Sevilla ou a Roma ou o Napoli? Nunca mais poderiam sonhar em chegar ao topo? E os que sequer jogassem em clubes italianos, espanhóis ou ingleses que veriam seus países suprimidos pela Superliga? Sem falar que pairavam as ameaças da Uefa e da Fifa. Muitos tiram orgulho de defender suas seleções. Por mais desgastada que esteja, a Copa do Mundo ainda é o ápice do futebol mundial. Se as entidades cumpririam as promessas pouco importava: esse sonho de repente ficou ameaçado por causa de uma decisão da qual eles sequer participaram.
Não se sabia quais seriam os outros três participantes fixos, não se sabia quais seriam os critérios de classificação dos cinco rotativos – e, aliás, se um deles fosse campeão, poderia defender o título no ano seguinte? – e, mais importante, nenhum dos líderes do projeto iria a público responder todas essas perguntas até a noite da segunda-feira, quando Florentino Pérez deu uma entrevista à televisão espanhola.
Isso criou um vácuo de narrativa porque durante quase 24 horas havia apenas reações negativas à ideia da Superliga rodando as redes sociais e a imprensa e deu muito tempo para os anticorpos do futebol se organizarem para combater o que viam como um ataque. A rejeição foi tão unânime que uniu chefes de Estado e levou até a família real britânica, que não se posiciona sobre nada, criticar a ideia em público por meio do príncipe William – futuro herdeiro do trono e presidente da Federação Inglesa de Futebol. Em uma reunião com o secretário de Esportes e Cultura, líderes da FA e da Premier League e grupos de torcedores de Liverpool, Manchester United e Tottenham, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson ameaçou soltar uma “bomba legislativa” para bloquear a Superliga, embora, na Espanha, Pérez tivesse segurança de que, juridicamente, o seu brinquedinho estava protegido.
Dobrando a aposta, a Uefa anunciou o novo formato da Champions League, com um comunicado cheio de veneno endereçado aos clubes rebeldes. Nada além do esperado: em vez dos grupos, uma fase de liga única em que cada clube jogaria dez vezes (cinco em casa, cinco fora, acabou sendo apenas oito), sem especificar o pareamento dos jogos. O total de participantes subiria de 32 para 36. Uma das quatro novas vagas irá para a França, outra para um campeão nacional e as outras duas de acordo com o coeficiente dos últimos cinco anos.
E Ceferin, claro, não perdeu a chance. “Os jogadores que jogarem em times que possam disputar a liga fechada serão proibidos de jogar a Copa do Mundo e a Eurocopa, portanto não poderão representar suas seleções em nenhum jogo”, afirmou. “Eles escreveram em seus comunicados de imprensa sobre solidariedade. Eles não sabem nem o ‘s’ de solidariedade. Eles querem ser famosos e serão pelos motivos errados”. Ceferin denunciou a traição de Agnelli e também de Ed Woodward, executivo do Manchester United com o qual havia conversado na quinta-feira e que havia dito estar satisfeito com as mudanças no formato da Champions League.
Ainda nenhum dirigente dos 12 clubes havia saído a público para defender a Superliga. Quase todo mundo que tinha acesso a uma caneta ou um microfone ou um teclado a estava criticando. Se esperavam que o anúncio pressionasse os dissidentes da dissidência, os CEOs de Bayern de Munique e Borussia Dortmund, Karl-Heinz Rummenigge e Hans-Joachim Watzke, reiteraram que seus clubes permaneceriam com a ECA e apoiariam as reformas da Champions League. “O Bayern de Munique não esteve envolvido nos planos para criar a Superliga. Estamos convencidos que a atual estrutura do futebol garante uma base confiável. O Bayern apoia as reformas da Champions League porque acredita que são o passo certo para o desenvolvimento do futebol europeu”, disse Rummenigge.
O então presidente do Porto, Pinto da Costa, revelou que houve “contatos informais”, mas não um convite, para que o seu clube integrasse a Superliga. “Não demos grande atenção por duas razões. Primeiro, a União Europeia não permite que haja um circuito fechado de provas como há na NBA. Segundo, estando a nossa federação contra isso e fazendo parte da Uefa, enquadrado nesse quadro, não podemos participar numa coisa que é contra as regras da União Europeia e Uefa. Não estamos preocupados. Estamos na Champions e esperamos continuar a estar por muitos anos. Se isso for para a frente, e tenho as minhas dúvidas, a Uefa não irá acabar e continuará a ter torneios, os torneios que são oficiais”, disse.
As vozes contrárias começaram a se multiplicar. Ander Herrera, do Paris Saint-Germain, publicou uma mensagem no Twitter declarando amor ao futebol e aos sonhos. Mesut Özil lembrou as crianças e que um grande jogo é especial porque é raro. Arsène Wenger, diretor da Fifa, destacou a importância do mérito esportivo e pediu respeito à história que o futebol europeu havia construído.
Os holofotes voltaram-se para o Elland Road, em Leeds, clube do noroeste operário da Inglaterra com uma torcida muito apaixonada e apegada às suas raízes e que quebrou justamente por gastar demais com base em projeções de receitas da Champions League e teve que se reconstruir a partir da terceira divisão. No local, seria realizado o primeiro jogo de um dos fundadores do campeonato paralelo após o anúncio, e a expectativa era pelo pronunciamento de Jürgen Klopp, que na época treinava o Liverpool. Repetiria as críticas que havia feito à Superliga no passado?
A situação era um pouco bizarra porque a vitória elevaria o Liverpool à zona de classificação à Champions League, a competição que horas antes havia decidido não mais disputar. Anfield havia acordado com protestos de torcedores e faixas decretando a morte do clube e pedindo a saída do Fenway Sports Group, empresa de John Henry que manda nos Reds. A torcida do Leeds recebeu o ônibus do Liverpool com vaias, e os jogadores aqueceram com uma camisa de protesto. Em um lado, “futebol é para os torcedores”. No outro, o logotipo da Champions com a mensagem: “Faça por merecer”. E antes de a bola rolar, Klopp falou.
Klopp teve mais tempo para se informar sobre o assunto, mas não pareceu saber muito mais do que o seu colega Solskjaer no dia anterior: “Minha opinião não mudou. As pessoas não estão felizes e eu posso entender isso, mas não posso dizer muito mais porque não fomos envolvidos no processo. Nem os jogadores, nem eu. Não sabíamos de nada. Os fatos são públicos e agora temos que esperar para ver como se desenvolvem. Eu tenho 53 anos e desde que era jogador profissional a Champions League estava lá. Obviamente não tenho problemas com a Champions League. Gosto da competitividade do futebol. Gosto do fato de que o West Ham pode jogar a Champions League ano que vem. Eu não quero que eles joguem, para ser honesto, porque nós queremos jogar, mas eu gosto que tenham a chance”.
Grupos de torcedores do Liverpool aumentaram a pressão ao anunciarem que retirariam bandeiras que haviam colocado nas arquibancadas vazias de Anfield desde a retomada do futebol, no meio do ano passado. James MIlner, um dos capitães, foi sucinto: “Não gosto e não quero que aconteça”.
A grande atração do dia ainda estava por vir e pelo menos ela não decepcionou. A entrevista de Florentino Pérez variou entre o cômico trágico e o trágico cômico. Empossado por uma síndrome de Messias, ele realmente pareceu acreditar que a Superliga havia sido criada para “salvar o futebol”, que estava com as contas baleadas pela pandemia – e por anos de administrações ruins, gastos supérfluos e pouco controle financeiro de todos os envolvidos, mas essa parte ele deve ter esquecido de mencionar.
Pérez colocou a Superliga nas costas da pandemia. Relatou prejuízos de € 5 bilhões entre os 12 clubes envolvidos e afirmou que a novidade seria uma maneira de aliviar as perdas, embora fosse especulada muito antes de qualquer um deles aprender a soletrar coronavírus. Apenas o seu clube teria um déficit de € 400 milhões em duas temporadas. “Os clubes importantes de Inglaterra, Itália e Espanha têm que encontrar uma solução a uma situação muito ruim pela qual o futebol está passando”, afirmou. Tentou sublinhar bastante os pagamentos de solidariedade, sem dar detalhes adicionais, e ficou irritado com acusações de que a Superliga era um projeto elitista. “Não é uma liga para os ricos, é uma liga para salvar o futebol. Vamos explicar essa competição que quer salvar o futebol e salvar os times mais modestos, porque o futebol desaparecerá”, acrescentou, também sem explicar nada do que ainda não havia sido explicado.
Foi cínico ao dizer que o torneio não era fechado porque previa cinco vagas com base em méritos esportivos e antagonizou ainda mais os excluídos ao sugerir bruscamente que eles “fizessem uma segunda liga”. Na sua opinião, o futebol precisa de uma mudança para acompanhar os tempos modernos e a solução é um campeonato com mais jogos atrativos, Manchester United x Barcelona em vez de Manchester United x uma equipe modesta da Champions League. “Os jovens não têm mais interesse pelo futebol. Por que não? Porque há muitos jogos de baixa qualidade e não os interessa, há outras plataformas para se distraírem”, explicou.
Buscou apaziguar os ânimos dos jogadores ao garantir que eles não seriam banidos das seleções e, entre as poucas informações novas que forneceu, mencionou um teto salarial de 55% para os integrantes da Superliga. Fez críticas ao novo formato da Champions League (“ninguém o entende e não produz as receitas necessárias”) e bateu de frente com a Uefa, cobrando mais transparência porque ninguém sabe o salário do presidente Ceferin. Prometeu continuar dando importância para o Campeonato Espanhol, sem dizer como faria para encaixar duas longas competições em um calendário já abarrotado.
O único pronunciamento oficial de um dos integrantes da Superliga desde o comunicado da noite de domingo também mencionou que talvez fosse uma boa ideia diminuir o tempo das partidas porque os jovens de hoje em dia não conseguem se concentrar por 90 minutos.
Terça-feira 20/04/2021: Processo de retirada

Petr Cech é um homem de muitas qualidades. A principal delas sempre foi defender chutes. Aventurou-se no hóquei no gelo e é um baterista de qualidade razoável. Naquela terça-feira, teve uma missão muito específica: tentar abrir caminho em meio a um mar de pessoas que protestavam em frente à Stamford Bridge e impediam que o ônibus do Chelsea chegasse ao estádio para enfrentar o Brighton – em outra partida muito importante na briga por vaga na Champions League que havia sido esvaziada pela Superliga Europeia.
Àquela altura, a Superliga já estava tão sólida quanto uma gelatina. Se serviu para alguma coisa, a entrevista de Florentino Pérez apenas irritou ainda mais quem já estava irritado, e a onda de críticas de torcedores, jornalistas, jogadores, dirigentes e técnicos ganhou ainda mais força. Pela manhã, o Guardian publicou que a convicção de Chelsea e Manchester City estava abalada. Gianni Infantino, agora ciente de onde as fichas estavam caindo, aumentou a pressão ao subir o tom do posicionamento da Fifa durante o Congresso da Uefa. “Na Fifa, só podemos enfaticamente desaprovar a criação de uma Superliga, que é um clubinho fechado, que é uma ruptura das atuais instituições, das ligas, das associações, da Uefa e da Fifa. É fora do sistema, não há dúvida alguma. Se alguns decidirem seguir seu próprio caminho, precisam lidar com as consequências de sua escolha. Eles são completamente responsáveis por sua escolha. Isso significa que ou você está dentro ou você está fora. Você não pode estar meio para dentro e meio para fora. Pensem nisso. Todos têm que pensar nisso, isso precisa estar completamente claro”, afirmou.
Naquela mesma manhã, a Federação Inglesa conduziu uma reunião com autoridades da Premier League e dos outros 14 clubes da primeira divisão na qual deixou bem clara a sua posição: qualquer clube envolvido seria banido da Premier League e de todas as competições domésticas. Mais do que isso, tendo acabado de sair do telefone com Boris Johnson, o executivo-chefe da FA, Mark Bullingham, garantiu que o governo faria de tudo em termos legislativos para bloquear a Superliga. “Em suma, Johnson disse que eles até fariam novas leis se fosse necessário”, escreveu o Guardian.
O Reino Unido não faz mais parte da União Europeia. Isso criou uma questão específica para o futebol inglês porque os cidadãos do bloco passaram a ser considerados jogadores estrangeiros. Um novo sistema de pontos foi desenhado, mas também é necessário o endosso da FA para que órgãos do governo concedessem licenças de trabalho. Em última instância, portanto, a federação teria o poder de bloquear que os rebeldes contratassem não apenas jogadores sul-americanos ou africanos, como também de toda a União Europeia, o que provavelmente prejudicaria o apelo da Superliga. Poucas vezes se viu tanta unanimidade entre aqueles 14 clubes.
Depois de Jürgen Klopp, Arsène Wenger e Alex Ferguson, Pep Guardiola também soltou os cachorros. “Não entendo por que estes clubes foram selecionados. Não é esporte quando não há relação entre esforço e sucesso. Não é esporte se o sucesso já é garantido, se não importa se você perde”, afirmou. “Disse isso muitas vezes: quero a melhor competição possível. Não é justo se os times lutarem no topo e não puderem se classificar porque o sucesso já está garantido apenas para alguns poucos clubes. É isso que sinto neste comunicado. Talvez as coisas mudem, e as pessoas dizem que quatro ou cinco clubes podem subir e jogar esta competição. Mas e o que acontece com o restante, os 15 que podem jogar bem ou mal e estarem sempre lá? Isso não é esporte, é outra coisa”.
Cerca de 36 horas depois do lançamento, a Superliga era atacada por todos os jogadores que se pronunciaram, alguns dos treinadores mais importantes da história do futebol, antigas lendas e presidentes das duas entidades mais poderosas do esporte, várias ligas e federações ao redor da Europa, clubes que haviam se recusado a participar, como o Bayern de Munique e o Paris Saint-Germain, emissoras que detinham os direitos de transmissão dos campeonatos que ela tentava tornar irrelevantes, jornalistas esportivos que escrevem em diferentes línguas, torcedores de clubes integrantes e não-integrantes, os Windsors, e os governos de Reino Unido, França e Espanha. Enquanto isso, a seu favor, tinha um comunicado de imprensa, uma entrevista desastrada de Florentino Pérez e outra fraca de seu secretário-geral do qual poucos já ouviram falar (poucos conhecem banqueiros da Espanha) ao Guardian, que nem repercutiu direito, mas em que ele pelo menos admitiu que parte da motivação dos donos é o “sistema instável” de ter que se classificar à Champions League em campo. Ainda não havia angariado nenhum novo apoio de uma voz relevante do futebol.
Depois do almoço, o castelo de cartas começou a desabar. O Chelsea foi o primeiro a indicar à imprensa, nos bastidores, de que estava se preparando para pular fora. Embora a veracidade de notas oficiais não tenha um bom histórico, faz sentido que não tenha tido muito tempo de avaliar todos os ângulos da questão porque foi o último a chegar. Por que aceitou então? Podemos apenas especular, mas o medo de ser deixado para trás e o efeito manada são bons suspeitos. Roman Abramovich e seus diretores já estavam discutindo o que fazer quando mais de mil torcedores foram protestar em Stamford Bridge. Seu medo era que a imagem que tentava construir para o clube – longe de ser o mais simpático do mundo, por um histórico violento de seus hooligans e por ter sido elevado pela grana do oligarca russo –, com ações anti-discriminação e forte trabalho comunitário, seria prejudicada.
Da Espanha, vinham informações contraditórias. O Atlético de Madrid estava fora, depois estava dentro de novo. O escorregadio presidente do Barcelona, Joan Laporta, indicava que de qualquer maneira precisaria aprovar a entrada na Superliga em uma assembleia de sócios. Quem acabou seguindo o Chelsea primeiro, e até se antecipando na oficialização, foi o Manchester City. Segundo o The Athletic, o clube deu bastante peso à opinião contrária dos jogadores e do seu técnico. Chamou bastante a atenção quando a conta oficial do Twitter do City destacou uma declaração de Guardiola pedindo que os seus chefes explicassem como chegaram à decisão. No dia anterior, o site oficial do Liverpool havia escondido as declarações de Klopp contra a Superliga.
Além disso, um enviado especial do governo britânico, assessor próximo de Boris Johnson, alertou os Emirados Árabes Unidos que a participação do City na Superliga danificaria as relações do país com o Reino Unido, segundo o jornal The Times, o que transformaria a treta futebolística em um incidente diplomático. O Abu Dhabi United Group, dono do City, é controlado pelo xeque Mansour Bin Zayed Al Nahyan, vice-primeiro-ministro e ministro de assuntos da presidência dos Emirados Árabes.
Mais jogadores foram a público combater a Superliga. Luke Shaw foi o primeiro dos envolvidos a se posicionar de forma elaborada, no momento em que saíam informações de que Jordan Henderson, do Liverpool, havia convocado uma reunião de capitães da Premier League para discutir o que fazer. Enquanto isso, do nada, Ed Woodward anunciou que estava de saída do Manchester United.
Woodward vinha sendo o homem forte do futebol do Manchester United desde a aposentadoria de Alex Ferguson, período em que o clube aumentou bastante as suas receitas e mal conseguiu disputar o título da Premier League – e ainda ficou fora de algumas edições da Champions League. Por pura coincidência, seu passado era como funcionário da JP Morgan, o mesmo banco de investimentos que estava por trás da Superliga, e a proximidade com a família Glazer chegava quase ao ponto da vassalagem.
Por isso, estava difícil acreditar nas tentativas de dissociá-lo da Superliga desde o comunicado publicado no site do Manchester United anunciando que ele deixaria o cargo ao fim daquele ano. Algumas fontes dizem que ele sempre teve a intenção de terminar seu trabalho em Old Trafford em 2021. Outros que ele era contra a ideia da Superliga, mas tinha que executar – era, afinal, vice-presidente executivo – o que os Glazers queriam. Foi sintomático que, entre os feitos que ele fez questão de ressaltar em sua semi-despedida, não havia menção da Superliga. Se ela era tão boa assim e salvaria o futebol, por que ele não se vangloriou de estar saindo do United com ela no gatilho? Pois é.
O Liverpool, clube de Bill Shankly, era um dos mais pressionados a voltar atrás. É o preço que se paga quando o marketing com valores socialistas, já uma contradição em termos, vai de encontro à realidade profundamente capitalista. O neto de Shankly até cobrou que a estátua do seu avô nos arredores de Anfield fosse removida. Henderson foi o primeiro a publicar um posicionamento que transformou as sucintas palavras de James Milner em comunicado. Outros jogadores como Van Dijk e Trent Alexander-Arnold fizeram o mesmo: “Não a queremos e não queremos que ela aconteça. Nosso compromisso com o clube e seus torcedores é absoluto e incondicional. You’ll Never Walk Alone”. Maior ídolo da história dos Reds e membro honorário da diretoria, Kenny Dalglish pediu que os donos “fizessem a coisa certa”, e a marca de relógios Tribus anunciou que estava encerrando a sua parceria com o Liverpool.
Às 17h19, horário de Brasília, o Manchester City se tornou o primeiro dos 12 clubes fundadores a oficializar a sua saída. A competição, pelo menos no formato anunciado no último domingo, efetivamente subiu no telhado cerca de 1h30 depois, quando Simon Stone, repórter da BBC, tuitou que os quatro clubes ingleses restantes – já considerando que o Chelsea estava fora – também anunciariam as suas retiradas ainda naquela noite. Cerca de dez minutos depois, os comunicados oficiais começaram a pipocar.
“Nós não vamos participar da Superliga Europeia”, escreveu o Manchester United. “Ouvimos a reação dos nossos torcedores, do governo britânico e de outros acionistas importantes. Continuamos comprometidos em trabalhar com a comunidade do futebol para buscar soluções sustentáveis aos desafios de longo prazo pelos quais o jogo está passando”. O Liverpool confirmou que o seu envolvimento com os planos da Superliga foi “descontinuado”. O presidente do Tottenham, Daniel Levy, lamentou a “ansiedade e chateação” causadas pela proposta da Superliga Europeia. O Arsenal foi o único que fugiu um pouco mais de notas protocolares e pelo menos pediu desculpas. “Cometemos um erro”, admitiu. Embora tenha sido o primeiro a sair, o Chelsea foi o último a se pronunciar oficialmente – talvez porque jogou uma partida de futebol naquele dia: “Tendo se juntado ao grupo no final da semana passada, agora tivemos tempo de considerar a questão por completo e decidimos que nossa participação nesses planos não seria do interesse do clube, dos torcedores e toda a comunidade do futebol”.
Se fora de campo a Superliga ainda apresentava pouca coisa de concreto, dentro dela havia acabado de perder a liga mais rica do mundo. Já não contava com Bayern de Munique e Paris Saint-Germain. Como seguir em frente? Em questão de horas, saíram notícias de que o Milan também estava se preparando para sair e que o Barcelona debatia internamente se faria o mesmo. Tariq Panja, excelente repórter de bastidores do New York Times, publicou a declaração de uma autoridade sênior de um dos integrantes dizendo que o projeto seria suspenso. Logo depois, a Superliga Europeia lembrou que tem acesso à internet e se pronunciou sobre os acontecimentos do dia.
Ela não chegou a dizer que o projeto estava suspenso ou cancelado. Usou eufemismos. “Dadas às atuais circunstâncias, vamos reconsiderar os passos mais apropriados para remodelar o projeto, sempre tendo em mente os objetivos de oferecer aos torcedores a melhor experiência possível e também melhorar os pagamentos de solidariedade a toda a comunidade do futebol”, afirmou. Embora a nota não tenha sido assinada, se você ler os próximos trechos com a voz de Florentino Pérez, eles fazem muito mais sentido:
“A Superliga Europeia está convencida que o atual status quo do futebol europeu precisa mudar. Estamos propondo uma nova competição europeia porque o atual sistema não funciona. Nossa proposta busca permitir que o esporte evolua e gere recursos e estabilidade para toda a pirâmide do futebol, incluindo ajudas para superar as dificuldades financeiras de toda a comunidade do futebol causadas pela pandemia”.
“Também ofereceria pagamentos maiores de solidariedade a todos os acionistas do futebol. Apesar do anúncio da saída dos clubes ingleses, forçada por pressões externas, estamos convencidos que nossa proposta está totalmente alinhada com a lei e regulamentações da Europa, como foi demonstrado nesta terça-feira por uma decisão judicial para proteger a Superliga Europeia de ações de terceiros”.
O projeto megalomaníaco de 12 dos principais clubes da Europa de organizar um campeonato exclusivo, fechado e elitista havia durado apenas 48 horas.
Epílogo: “Não beba e crie uma liga”

As repercussões seguiram na quarta-feira, entre a desforra e consequências sérias. Começou com a confirmação, ou sinalizações fortes, de que Atlético de Madrid, Juventus, Internazionale e Milan também estavam fora. Sobraram apenas Barcelona e Real Madrid, que podem rebatizar a Superliga de “Superclássico”. Agnelli teve que dar o braço a torcer ao dizer que “não seria o caso” de continuar sem os ingleses. “Eu não acho que o projeto agora está de pé e em funcionamento”, afirmou, à Reuters. Como a nota da Superliga na noite de terça-feira, culpou pressões do governo britânico pela saída dos clubes ingleses. A Heineken, patrocinadora oficial da Champions League, tirou um barato com o slogan “não beba e crie uma liga”.
E Florentino Pérez ficou triste. “Estou triste”, disse, em nova entrevista à rádio Cadena Ser. “Passamos três anos trabalhando. La Liga é intocável, temos que tirar dinheiro dos meios de semana. O formato da Champions está obsoleto e interessa apenas a partir das quartas de final”. O dirigente admitiu que o projeto da Superliga Europeia não foi bem explicado, mas acha que não teve chance de fazer isso – porque, realmente, durante dois dias ninguém deve ter tentado entrevistar os 12 homens que explodiram o futebol europeu. “Acredito que a Uefa fez um espetáculo que me surpreendeu. Um presidente da Uefa tem que ser uma pessoa correta. Parecia que havíamos lançado uma bomba atômica. Nunca vi tanta agressividade do presidente da Uefa. Foi orquestrado. Ameaças e insultos. Como se tivéssemos matado alguém. Uma campanha manipulada dizendo que acabaríamos com o futebol. Há pessoas que têm privilégios e não os querem perder”, disse.
Pérez disse que um dos ingleses não tinha muito interesse, mas que “todos seguiam refletindo sobre o tema”. Acrescentou que falou três vezes com Andrea Agnelli a quarta-feira e que Joan Laporta, presidente do Barcelona, ainda estava dentro. Também alertou que os contratos assinados pelos clubes são vinculantes, uma ameaça que neste momento soava vazia (e foi mesmo), especialmente no mesmo dia em que dois de seus principais parceiros na empreitada da Superliga, Joel Glazer e John Henry, tiveram que colocar os seus respectivos rabinhos entre as pernas.
“Erramos”, afirmou Glazer, ex-vice-presidente da Superliga e um dos donos do Manchester United, em uma carta aberta aos torcedores. “E queremos mostrar que podemos corrigir as coisas. Embora as feridas ainda estejam frescas, e eu entenda que que precisará de tempo para que se curem, estou pessoalmente comprometido em reconstruir a confiança e aprender com a mensagem que vocês enviaram com tanta convicção. Estou tentando criar uma fundação mais estável para o jogo. Fracassamos em mostrar respeito suficiente por tradições profundamente enraizadas – acesso, rebaixamento, a pirâmide – e, por isso, peço desculpas”.
John Henry lamentou os efeitos negativos que a sua decisão causou aos jogadores do Liverpool, clube do qual é dono, e também se desculpou. “Quero pedir desculpas a todos os torcedores do Liverpool. Nem preciso dizer que o projeto nunca se sustentaria sem o apoio da torcida. Ninguém nunca pensou diferente na Inglaterra. Nas últimas 48 horas, vocês deixaram muito claro que ele não se sustentaria. Nós os ouvimos. Eu os ouvi. Espero que vocês entendam que nós também cometemos erros. Estamos tentando trabalhar pelos interesses do clube. Nessa questão, eu os decepcionei. Novamente, desculpas. Apenas eu sou responsável pela negatividade desnecessária dos últimos dias. É algo que não esquecerei. E mostra o poder que os torcedores têm e continuarão tendo”, afirmou.
CEO da Internazionale, Beppe Marotta confirmou que a Superliga foi negociada “em segredo” pelos donos, acima do nível executivo, mas foi mais brando ao reconhecer os equívocos do projeto. Segundo ele, entre 60% e 70% das receitas estavam comprometidas com salários e, se a torneira fechou por causa da pandemia, ninguém sobreviverá, e alguma solução precisava ser buscada. “Se o projeto falhou, obviamente houve erros durante o processo”, acrescentou.
Em 48 horas, um projeto frágil e altamente impopular foi rejeitado de maneira unânime por toda a comunidade do futebol, com exceção de uma dúzia de dirigentes que acharam que proteger os próprios interesses salvaria o futebol ou que foram tontos o bastante para achar que justificar a Superliga dessa maneira colaria com alguém. Nem o fizeram direito, com um blackout de comunicação que durou quase um dia até Florentino Pérez atirar contra o próprio pé na televisão espanhola.
O castelo de cartas começou a cair, não por acaso, com os únicos dois 12 clubes que não eram comandados por empresários. Oligarcas russos e xeiques árabes estão no futebol menos pelo dinheiro e mais pelo poder e popularidade que dele conseguem tirar. Quando a decisão oportunista era seguir a manada, seguiram. Assim que a pressão se tornou mais forte, Roman Abramovich e Mansour bin Zayed tiraram os deles da reta. Abriram a fenda pelo qual os outros ingleses, muito pressionados pelos organismos do futebol inglês, também passaram e, a partir daí, foi uma questão de tempo para que a Superliga desabasse.