Registrar o que está acontecendo no mundo para a posterioridade pode ser um trabalho ingrato. Mesmo com todo o cuidado para se ater ao momento, sem grandes previsões ou exageros, esses registros nem sempre envelhecem bem. Mas, às vezes, eles são este trecho do jornal Football Post, de Nottingham, logo depois do primeiro jogo de Brian Clough no comando do Nottingham Forest, que completou 50 anos nesta semana:
“Não foi tanto um sopro de ar fresco que varreu os corredores do City Ground nesta semana – foi mais um furacão. Os ventos da mudança vieram ao clube e, uma hora após chegar, Brian Clough causou mais impacto do que a maioria dos treinadores consegue a vida inteira”.
É, e ele também causou um pouco mais depois.
O futebol não seria tão apaixonante sem o seu talento único para produzir histórias e, em toda a sua existência, conseguiu poucas melhores do que o Nottingham Forest de Brian Clough.
Clough, um ex-centroavante de muito sucesso do Sunderland que havia ganhado fama como técnico pelo título inglês com o vizinho e rival Derby County e por passar apenas 44 turbulentos dias no comando do Leeds, e principalmente por não conseguir manter a boca fechada, reconfigurou a jornada do herói no futebol para as gerações futuras.
A referência do quanto uma única pessoa pode revolucionar o presente e o futuro de um clube.
Ok, não foi uma única pessoa. O Forest decolou depois da chegada do seu braço direito Peter Taylor, a personalidade mais detalhista e ponderada para equilibrar o temperamento de Clough, e havia os jogadores, nomes como Peter Shilton, Viv Anderson, John Robertson e Tony Woodcock, mas ninguém concebe que tudo que aconteceu teria acontecido se Clough não fosse quem ele era.
Porque a ascensão do Nottingham Forest foi calcada em mais do que apenas o intelecto e a personalidade de seu treinador – mas não em muito mais.
O Forest não era grande coisa dentro do ecossistema do futebol inglês. Havia conquistado duas Copas da Inglaterra, uma em 1959 e outra na Era Vitoriana, e teve um período relativamente longo de estabilidade na primeira divisão antes de ser rebaixado no começo da década de 1970. A cidade era mais conhecida pela literatura e por aquele maluco que roubava dos ricos para dar aos pobres com um arco e flecha. Estava no meio da tabela da segunda divisão.
Dinheiro nunca não teve influência no destino dos clubes, mas as distâncias não eram tão oceânicas. Era possível aumentar significativamente seu poder de investimento com um time que empolgasse os torcedores a lotar as arquibancadas. O futebol ainda estava descobrindo direitos de televisão e patrocínios. A noção de que um oligarca russo ou um país produtor de petróleo compraria jogadores era ridícula. Dava para encontrar futuros craques que ninguém conhecia nas divisões inferiores.
E às vezes eles já estavam no elenco. Anderson, Robertson, Woodcock, Ian Bowyer e Martin O’Neill agonizavam no meio da tabela da segunda divisão quando Clough chegou e se transformaram em heróis do título inglês e das jornadas continentais, quase todos titulares nas finais contra o Malmö e Hamburgo (O’Neill saiu do banco de reservas na primeira e Woodcock já havia sido vendido ao Colônia na segunda).
Floresceram no ambiente criado por Clough, um exímio motivador, um daqueles treinadores que dão bronca com as portas fechadas e assumem a bronca com as portas abertas, como quando se esforçou para reduzir a pressão sobre Trevor Francis, que havia se tornado o primeiro jogador de 1 milhão de libras da história. Também foi astuto no mercado e, em parceria com Taylor, sabia como construir uma estrutura tática, mas foi principalmente a revolução de confiança, métodos e cultura no City Ground que fundamentou não apenas aqueles cinco anos mágicos em que o Nottingham Forest pulou da segunda divisão ao panteão da Europa, mas quase duas décadas em que foi um time relevante e competitivo. Não à toa a queda foi quase imediata após a saída do treinador em 1993.
É muito louco pensar que havia tanto talento, talento de primeira linha, talento bicampeão europeu em um time que, antes da chegada de Clough, não parecia tão diferente de muitos outros tentando desvendar o mistério do acesso. Não era tanto uma exceção naquela época. Anos antes, o Liverpool encontrara Kevin Keegan no Scunthorpe United. Quantos outros estariam na vizinhança do Forest na tabela e simplesmente nunca tiveram o contexto certo?
Hoje em dia ainda há espaço para diamantes escondidos nas divisões inferiores que pegam todos de surpresa, como um Viktor Gyökeres batalhando pelo Coventry City ou um Jamie Vardy tentando promover o Leicester, mas é difícil imaginar que o Swansea ou o Queens Park Rangers tenham uma espinha dorsal campeã europeia à espera do treinador certo.
Histórias de grandes reconstruções comandadas por personalidades fortes e talentosas como a de Brian Clough estão terminando com a chegada à Premier League e talvez um bravo nono lugar, mas em pouco tempo, Marcelo Bielsa é demitido porque perdeu quatro jogos seguidos. Ou são essencialmente milagrosas como o Leicester campeão inglês, e ninguém sabe explicar, porque Claudio Ranieri não é uma personalidade especialmente forte ou um técnico especialmente talentoso. E em pouco tempo, também foi demitido.
Independente da natureza, são menos sustentáveis, curtas e menos explosivas.
Não quero que isso pareça uma grande revelação, soem os tambores, porque a resposta é terrivelmente óbvia, mas, agora, o que de repente eleva um clube e o mantém lá em cima é quase exclusivamente dinheiro, de uma pessoa muito rica, de um consórcio de pessoas muito ricas ou de um país muito rico. Dependendo da quantidade, você ainda precisa fazer um ótimo trabalho para ser o Brighton, mas, se for muito, pode só atirar para todos os lados e ser o Chelsea.
As maiores mudanças de patamar deste século – Chelsea, Manchester City, Paris Saint-Germain – foram impulsionadas por quantidades incalculáveis de dinheiro, parte de projetos mais amplos de relações exteriores. Com a fórmula anterior, talvez dê para citar o Atlético de Madrid surfando na intensidade de Diego Simeone. Mesmo entre as ascensões que não atingiram níveis tão elevados, é mais comum rastrear o começo delas aos donos do que aos técnicos.
O que nos leva de volta ao Nottingham Forest. Cinco anos atrás estava na parte de baixo da tabela da segunda divisão e agora é o terceiro colocado da Premier League. Tudo bem. Não é a mesma trajetória que inspirou este texto, mas foi um salto relevante e ele será mais associado aos investimentos do magnata grego Evangelos Marinakis, principalmente depois do acesso, do que a qualquer outra coisa, mesmo o trabalho de Nuno Espírito Santo – excelente, mas recente.
E, sei lá, me chamem de saudosista, mas pessoalmente prefiro Brian Clough.