O Manchester United confirmou que fará de 150 a 200 demissões de funcionários, o que o clube chamou de redundâncias, como parte das medidas de corte de gastos na gestão de Jim Ratcliffe. Em uma gestão que já se caracteriza por gastos milionários em contratações e indenizações, os cortes acontecem justamente na área onde menos se gasta.
Além das demissões, até as refeições para funcionários em Old Trafford e no Centro de Treinamento em Carrington foi cortada, o que indica a mentalidade do seu gestor bilionário – e algo muito comum de executivos visando cortar custos, sempre olhando para a base da pirâmide, nunca para o topo.
Era esperado que algumas demissões acontecessem, porque o Manchester United era o clube com mais funcionários na Premier League. A forma como isso aconteceu e a frequência, com duas rodadas de demissão, já causam desconforto, especialmente pela forma como aconteceu.
Enquanto o Manchester United demite funcionários, corta refeições e aumenta preços de ingressos, Jim Ratcliffe mantém uma política de gastos milionários em contratações e indenizações. A gestão do bilionário, longe de resolver as dívidas históricas do clube, expõe uma contradição: economiza onde dói mais e gasta onde menos resolve.
Jim Ratcliffe, o homem por trás da tesourada
Jim Ratcliffe, CEO e fundador da INEOS, gigante do setor petroquímico, se tornou sócio minoritário do clube em fevereiro de 2024. A ideia inicial era se tornar acionista majoritário, mas os Glazer, atuais majoritários, não queriam vender. Assim, Ratcliffe aceitou se tornar sócio minoritário com uma condição: ter controle sobre toda operação esportiva. Assim foi feito.
Conhecido como torcedor do clube, havia a expectativa que ele trouxesse melhorias para o United. O que vimos até agora não corrobora com isso. Dentro de campo, manteve o técnico Erik Tem Hag no cargo, mesmo sem ter convicção sobre o seu trabalho, pela vitória na final da Copa da Inglaterra. Demitiu o treinador cinco meses depois.
A decisão de manter Ten Hag não teve apenas consequências esportivas, mas também financeiras. Além de ter gastado mais de 200 milhões de libras em reforços pedidos pelo treinador, ainda teria a indenização na demissão do treinador, de mais de 10 milhões de libras. E mais 11 milhões de libras pagos ao Sporting pela multa do rompimento contratual de Rúben Amorim, escolhido como substituto.
O time medíocre em campo é um problema, mas fora de campo a gestão também anda desastrosa. Em julho de 2024 foi feita uma rodada de demissões, chamada de redundâncias pela gestão do clube. Na época, 250 pessoas foram demitidas, entre elas algumas figuras conhecidas do clube, como o assessor de imprensa John Allen, o historiador Cliff Butler e o roupeiro Alex Wylie, todos com décadas de história no clube.
Para piorar, os ingressos subiram 65% em 2024, retirando descontos para menores de idade e idosos. A justificativa? “Não faz sentido o ingresso para ver o United custar menos que o do Fulham”. Uma lógica cruel para um clube que vive sua pior fase esportiva em décadas.
Ainda na gestão, Ratcliffe parece ter mudado de opinião rapidamente sobre Dan Ashworth, o seu escolhido para ser o diretor esportivo. Depois de meses de negociação, o United contratou o executivo pagando multa contratual para tirá-lo do Newcastle e depois pagando a multa por demiti-lo cinco meses depois. A soma desses valores passa de 4 milhões de libras.
Fim do almoço e apenas pão e sopa para funcionários
Na última segunda-feira, foi anunciada uma nova rodada de demissões no clube, com até 200 pessoas demitidas. Além disso, foi anunciado que o clube acabaria com os almoços gratuitos para funcionários em Old Trafford e só deixaria sopa e sanduíches para os funcionários no centro de treinamento do clube, em Carrington.
Os cortes de funcionários significam que o escritório de Londres do clube será reduzido. O clube ainda anunciou o fechamento da cantina em Old Trafford, que era usada para dar almoço aos funcionários.
Os serviços de alimentação não serão alterados até o fim da temporada no Centro de Treinamento de Carrington, mas haverá uma mudança drástica: apenas sopa e pão será oferecido aos funcionários. Os jogadores continuarão recebendo as refeições normalmente, sem alterações.
Segundo estimativa do Athletic, o corte de 200 funcionários poderia economizar até 36 milhões de libras por ano ao Manchester United. O problema é há outros custos com as demissões, com as indenizações. Em julho de 2024, as indenizações para demitir 250 funcionários chegaram a 8,6 milhões de libras. Com um corte de até 200 funcionários, o valor deve ficar um pouco abaixo disso. Ainda assim, bastante relevante.
O número de funcionários do Manchester United era o maior da Inglaterra até a temporada 2023/24, com 1.140. Para comparação, o Liverpool tinha 1.008 funcionários ao final da temporada 2022/23. O Chelsea tinha 872 funcionários no mesmo período e o Arsenal tinha 723.
Isso significa que é possível que houvesse mesmo redundância de funcionários e que alguns cortes fossem necessários. O problema é que medidas como fechar a cantina e acabar com o almoço dos funcionários em Old Trrafford e reduzir a alimentação oferecida aos funcionários do Centro de Treinamento de Carrington a pão e sopa é uma medida mesquinha, que não economiza o suficiente e ainda deixa uma péssima sensação no clube.
Ratcliffe age como CEO de petróleo, não de futebol: demite historiadores, mas mantém jogadores subaproveitados (olá, Mason Mount, terceiro maior salário do elenco).
Manchester United teve prejuízos consecutivos
O maior custo de um clube de futebol sempre é na sua folha salarial, mas não com os funcionários comuns, e sim com os jogadores. Ao final da temporada 2021/22, o Manchester United gastava 364 milhões de libras por ano com salários, um recorde do futebol inglês. Desde então, porém, o clube reduziu a sua folha e outros clubes têm folhas salariais mais altas.
O Manchester United registrou prejuízo no seu balanço nos últimos cinco anos, o que é um feito, considerando o tamanho das receitas e capacidade de gerar dinheiro do clube. Mais ainda pensando no desempenho medíocre nesse período.
Nesta temporada, está até abaixo de medíocre, está péssimo mesmo, mais perto do rebaixamento do que da zona de classificação à Champions League.
- Prejuízos consecutivos: cinco anos no vermelho, mesmo com receita de 627 milhões de libras (2023)
- Dívida total: 734 milhões de libras, sendo 500 milhões herdados da compra dos Glazer em 2005.
- Gastos com demissões: 8,6 milhões em indenizações para 250 funcionários demitidos em 2024.
O gasto com transferências tem sido constantemente alto no clube. Ao longo dos últimos 10 anos, o Manchester United foi o clube que mais gastou com transferências, com valor acima de 1 bilhão de libras. Só na janela de transferências do meio do ano, no início da temporada 2024/25, foram 205 milhões gastos na contratação de jogadores.
De acordo com as contas apresentadas pelo clube no último mês de setembro, o Manchester United tem um total de 319 milhões de libras em parcelas de pagamentos para serem feitos por jogadores contratados nos últimos anos. Ao menos 154 milhões de libras vencem dentro de um ano.
As dívidas do clube também são altas. O total atual é de 734 milhões de libras, com mais de dois terços desse total relativos à polêmica compra do clube em 2005 pela família Glazer. Na época, os Glazer fizeram a chamada compra alavancada, ou seja, usaram empréstimos para comprar o clube e depois colocaram esses empréstimos na conta do clube. Hoje esse tipo de operação é proibida – em parte por causa do escândalo que foi essa compra do United.
O pior é que essa parte da dívida do United foi feita em dólares – os Glazers são americanos -, então ainda há uma flutuação do valor por causa do câmbio. Na temporada passada, o clube pagou 37,2 milhões apenas de juros por esses empréstimos, valor muito similar ao que o clube projeta economizar com as demissões.
Para realmente economizar, o Manchester United precisaria vender muitos dos seus atuais jogadores e ter uma política mais racional na contratação, com menos gastos, apostando mais na base e reduzindo sua folha salarial. Mas fazer isso e manter bons resultados em campo é uma tarefa muito mais difícil do que gastar no crédito, sem saber como pagar, e ver o que acontece.
Até agora, não aconteceu nada. E Rúben Amorim corre o risco de ser mais um a sentir o facão chegar ao final da temporada, sem resultados, enquanto os cortes de custos continuam sendo onde o clube vai sentir mais e onde a efetividade parece menor: nos funcionários comuns, demitidos ou com condições de trabalho pioradas, e no seu torcedor, com os preços de ingressos.
Como frequentemente acontece no mundo corporativo, o que vemos é um corte de gastos que é muito mais midiático do que efetivo e não ataca os principais problemas, porque eles costumam ser muito mais difíceis de resolver.
No mundo corporativo, cortes como os de Ratcliffe agradam acionistas. No futebol, desagradam torcedores – e o United já não tem o que oferecer a nenhum dos dois.
O resultado? Um clube que já foi sinônimo de tradição hoje é exemplo de gestão caótica. E a menos que Ratcliffe entenda que futebol não é petróleo, o United seguirá sendo um gigante financeiro e um anão esportivo.