segunda-feira, março 10, 2025

O cara de jogo grande

O futebol é um jogo predominantemente mental. Você pode ter qualidade refinada, capacidade física, fôlego invejável e até tudo isso junto, mas outros tantos também terão suas aptidões. Se não tiver a mentalidade afiada, porém, as chances de prevalecer em campo são bem menores. As grandes competições ainda exigem um tom além. E não se destrói em repetidos jogos de Champions League por mero acaso, sem ter uma força mental acima da maioria. Vinícius Júnior, que por habilidade já seria naturalmente um dos melhores, provou de novo como sua mente o torna um dos maiores.

Vini gosta de jogos grandes, e isso já depõe a favor de sua predominância mental dentro das quatro linhas. Basta olhar para a Champions e notar quantas partidas ele já decidiu, sobretudo em mata-matas. São gols decisivos em duas finais distintas, ambas encurtando o caminho do Real Madrid ao caneco. Outros tentos vieram aos montes em duelos de peso, assim como as assistências. Destas, mais uma contra o Manchester City dentro do Estádio Etihad, para possibilitar um triunfo inédito dos merengues no território celeste e garantir o prêmio de melhor em campo, numa noite em que o camisa 7 foi mais que o passe decisivo.

Já seria uma partida pesada por si, entre diversos fatores. O duelo entre Manchester City e Real Madrid pintou como uma das potenciais validações ao novo formato da Champions, tão fatal de maneira precoce. O baque de cair antes mesmo das oitavas de final será experimentado por um dos favoritos. O histórico recente respalda os dois campeões, de campanhas quase sempre longas e de recorrentes embates desde a última década. Entre um gigante que investe demais para seguir no topo e um endinheirado que joga sua temporada neste confronto, só um sobreviverá.

Por todo esse contexto, Vinícius Júnior já teria seu banquete à mesa no Etihad, num jogo grande o suficiente para triunfar. Contudo, a torcida do Manchester City resolveu provocá-lo. As discussões sobre a Bola de Ouro são um pé no saco há anos, e isso não tende a mudar de maneira breve. Fica uma disputa de narrativas que se arrasta e tantas vezes sequer olha o campo. Não se pode tirar, no entanto, o direito de ir à forra aos torcedores em Manchester. Foi uma atitude pequena o bandeirão dedicado a alfinetar? Pode até ser, mas a provocação é do futebol, um dos seus elementos que mais dão vida ao jogo. E num esporte mental, não deixa de ser uma ferramenta na hora de tentar desestabilizar quem mais assusta do outro lado.

O problema é incitar alguém como Vinícius Júnior, um jogador que se sente bem com as grandes ocasiões. Tentar tirá-lo de si com aquela mensagem foi basicamente alimentar a fera. Rodri levou a Bola de Ouro? Pois bem, Vini tinha faturado a Champions. Mostrou no gramado quem é o atual campeão, numa noite em que chamou a responsabilidade para si o tempo todo. Sorriso no rosto, como de praxe, tantas vezes debochado.

O Manchester City se manteve vivo na partida o tempo todo, mas convenhamos que a superioridade durante quase todo o tempo foi do Real Madrid. Vinícius tinha parte nisso. Deu caneta, deixou marcador perdido, fez adversário comer poeira. Pode não ter sido constante, mas seu repertório incluía passe de três dedos e pancada no travessão. Não se cansou de colocar os companheiros em ótimas condições e acelerar mais o já veloz ataque merengue. E se faltou seu gol, da sua participação nasceram os tentos da virada agonizante. Um rebote para Brahim e uma batida por cima de Ederson, que nem foi certa, mas valeu para Bellingham decretar a reviravolta.

O placar apertado fica barato pela forma como o Real Madrid produziu bem mais no ataque que o Manchester City. A maneira épica como a vitória se deu, por outro lado, permitiu a revanche perfeita para Vinícius – com requintes de crueldade em seu heroísmo. O bandeirão erguido nas arquibancadas teve que ser enrolado e levado como um rabo entre as pernas daqueles que o provocaram, para não dizer outra coisa. Podem fazer outro: de Vini com outro troféu em mãos, o de melhor em campo. Mais um.

O debate sobre o foco e a mentalidade de Vinícius Júnior veio à tona algumas vezes, sobretudo no Campeonato Espanhol. O atacante já perdeu o tom, embora em boa parte dos episódios sob um contexto de racismo. Para lidar com os racistas da maneira como faz, todavia, Vini também precisa ter um mental acima do que se exige da maioria. E essa força se renova a quem sabe aonde quer chegar. A quem tem a mentalidade certa de um campeão, a inteligência de um craque.

Quiseram acusar Vinícius de ser “chorão”? Na bola ele respondeu, como um vulto nas costas da defesa, e com um sorriso pertinente em cada comemoração. Nem precisou bailar para ser um baile. A discussão sobre a mentalidade de Vinícius ressurgirá outras vezes, pode ter certeza, porque ela também recorrentemente vem carregada de racismo. Quando duvidarem, basta consultar o retrospecto do atacante na Champions. É homem de jogo grande, e não se consegue isso num contexto como o do Etihad sem ter a mente dos maiores.

Leandro Stein
Leandro Stein
É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Foi redator, editor e sócio da Trivela de 2010 a 2023.

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